Texto: Natália Pesciotta
Foto: Bruna Caetano de Deus/ Memorial da Resistência
Roda de conversa com educadores e gestores apontou o diálogo, o convívio e as trocas como formas de reafirmar o papel da escola diante de ataques violentos
Em meio à comoção e ao medo causados pelos recentes ataques violentos contra escolas no Brasil, educadores e gestores apontaram possibilidades de respostas à barbárie do ponto de vista educacional. A mesa “Caminhos de acolhida e participação no enfrentamento à violência contra a escola” foi realizada pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com a Secretaria Municipal de São Paulo nesta quarta-feira, 19/04, no Memorial da Resistência. O evento reuniu instituições parceiras, Secretarias Municipais, Diretorias Regionais de Educação, Conselho Tutelar, educadores, assistentes sociais e jornalistas.
Para compor a mesa, o painel contou com o doutor em Filosofia da Educação e professor da USP José Sérgio Fonseca de Carvalho, o diretor da Divisão de Gestão Democrática e Programas Intersecretariais (DIGP) da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo Rogério Gonçalves da Silva, além de dois representantes do Instituto Vladimir Herzog: o coordenador de Educação em Direitos Humanos Hamilton Harley e a coordenadora educacional Crislei Custódio, ambos doutores em Educação.
Assista na íntegra:
A roda de conversa representou um convite para que este tema tão complexo e difícil possa ser abordado e discutido por intermédio da palavra, da cultura e da participação, principalmente dentro das escolas. Isso é muito importante, como ressaltou Crislei Custódio, do Vladimir Herzog, pois as as violências vividas recentemente, que deixaram professoras e crianças mortas, causam um duplo silenciamento: o emudecimento diante do horror, pela perplexidade profunda; e o silenciamento pretendido pela própria violência, que é por si só a expressão do desejo de calar o outro.
“É tempo de falar e isso é uma convocação para nós, profissionais da educação, gestores, para a sociedade civil de modo geral. A gente precisa fomentar espaços públicos, entre eles a escola, onde a gente possa refletir e dialogar sobre o que está acontecendo. O enfrentamento da violência tem a ver exatamente com sair dessa condição de emudecimento”
O professor da Faculdade de Educação da USP também destacou a importância da escola como um espaço para fortalecimento de vínculos por meio da cultura, mesmo em um momento complexo como o atual. Para ele, o medo, a morte, a violência e a dor são temas importantes para serem tratados na formação escolar, e isso pode se dar por intermédio de filmes, das artes plásticas, da conversa:
“Se eu pudesse dar uma sugestão do que fazer nesse mês de abril, eu abriria as escolas. Para dizer: aqui é outro espaço. Onde podemos por exemplo assistir um filme juntos e pensar no que me dá medo. Onde podemos não estar conformados com o mundo como ele é.”
Instrumentos de participação e pertencimento
Nesta quinta-feira, 20 de abril, a Rede Municipal de Ensino de São Paulo foi incentivada a promover ações de acolhimento e afeto que reforcem o caráter de paz do espaço escolar. No caso desta rede, existem diversos instrumentos de participação que podem ser importantes neste momento e cada vez mais fortalecidos, como as Comissões de Mediação de Conflitos, os Grêmios Estudantis, os Conselhos de Escola, as formações em Educação em Direitos Humanos.
Neste sentido, Rogério Gonçalves, que é diretor do DIGP e representou a Secretaria Municipal de Educação na mesa, incentivou o engajamento nestes movimentos. “Precisamos convidar nossos colegas da educação a fazer parte dos instrumentos de participação que já existem”, reforçou, na intenção de que o ambiente escolar possa representar um espaço de acolhimento, diálogo e pertencimento.
O que os ataques revelam sobre a sociedade e sobre a escola
Para abrir a roda de conversa, o coordenador de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog, Hamilton Harley, traçou um breve panorama sobre a escalada de ataques contra escolas no Brasil (veja levantamento realizado pelo Instituto).
Em geral, foram planejados antecipadamente por indivíduos relacionados ao ambiente escolar, frequentemente brancos e do gênero masculino. Entre as possíveis causas do fenômeno complexo, enumera-se o crescimento dos discursos de ódio, do neonazismo, racismo, misoginia e LGBTfobia e do incentivo ao armamento. Somam-se ainda as tentativas de cercear a escola e o professorado com proposições como o “Escola Sem Partido”.
Por que esses ataques foram feitos na escola, e não em qualquer outro espaço?, pergunta-se a doutora em Educação Crislei Custódio. Ela acredita não ser ao acaso que esse lugar de vivência da pluralidade se torne alvo em um mundo com ascensão dos discursos de ódio, pautado pelo princípio de eliminação das diferenças.
Para o professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, o fenômeno tem menos a ver com “indivíduos não civilizados” e mais relação com a construção atual da sociedade, estruturada no individualismo e na produtividade, focada em produzir objetos e seres supérfluos. A função da escola desde sua origem, seria, pelo contrário, a existência de um tempo e um espaço livres da produção e do utilitarismo.
Assim, Carvalho defende que o ambiente escolar não se submeta às lógicas da economia, do poder, das armas ou do policiamento:
“A dignidade da escola significa ela se afirmar como um espaço e um tempo próprios. Um espaço onde professores cuidam da formação de alunos por intermédio da cultura. Onde nos vinculamos uns aos outros, ao passado e ao futuro em comum”.
Foram citadas pela mesa diversas proposições legislativas negativas para lidar com a violência, como armamento de professores ou policiamento no ambiente escolar. Para os participantes, essas iniciativas representam outros tipos de violência contra a escola e vão contra seu sentido como espaço de primazia da palavra. “A escola precisa ser reconhecida por toda a sociedade e pelo poder público como esse espaço da coletividade, não como lugar de disputa, de controle. Assim, qualquer ação que prometa combater as violências contra a escola sem considerar seu contexto social, educacional, do convívio escolar, tende a desviar a função social da escola”, resumiu Hamilton Harley.