Em recomendação, colegiado diz que grupo criado por Ministério do Trabalho para discutir o tema ignora a “representação democrática”.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), formado por representantes do governo e da sociedade civil, cobrou a “imediata atualização e publicação” da lista suja do trabalho escravo, que vem sendo questionada na Justiça. O colegiado afirmou que o grupo de trabalho constituído pelo Ministério do Trabalho para debater uma nova portaria em torno do tema ignora a “representação democrática” e defendeu que a discussão seja transferida para a Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
As críticas em relação à decisão do Ministério do Trabalho de não publicar a lista suja constam de recomendação aprovada na última sexta-feira pelo CNDH. No documento, o órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos afirma que o princípio da publicidade vem sendo violado e que é “direito da população a obtenção de informações relativas ao resultado de inspeções, auditorias, prestações de contas, não havendo qualquer justificativa para o sigilo das informações decorrentes das autuações aplicadas pelo poder público”.
Ao contrário do que defende o Ministério do Trabalho, ao condicionar a retomada da lista suja a uma nova portaria que será definida pelo grupo de trabalho montado pela pasta, o CNDH defende que as regras atuais em vigor garantem “o contraditório e a ampla defesa no procedimento administrativo” pelo qual passam as empresas até terem o nome incluído no cadastro. “Não há atualmente qualquer restrição legal, embaraço jurídico ou impedimento técnico que justifique a não publicação da lista suja do trabalho escravo, sendo, ao contrário, do interesse público a sua divulgação”.
O CNDH condenou a composição do grupo de trabalho que, “ignorando a representação democrática”, deixou de incluir atores apontados como fundamentais na discussão do trabalho escravo, a exemplo de organismos internacionais, entidades nacionais da área dos direitos humanos e da sociedade civil organizada. O colegiado criticou o fato de a comissão formada pelo Ministério do Trabalho se restringir praticamente a “representantes do Poder Executivo e representantes patronais e sindicais”.
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, vem defendendo que a lista suja do trabalho escravo pode afetar a economia e que não daria às empresas o direito de defesa antes de terem o nome publicado. Além disso, as companhias incluídas no cadastro costumam ter dificuldades de obter empréstimos em instituições financeiras públicas e privadas.
Já a sociedade civil organizada e parte do governo ligada à área de direitos humanos se opõem aos argumentos, destacando que as regras foram abrandadas, desde o questionamento na Justiça, permitindo inclusive Termos de Ajuste de Conduta, e que a ampla defesa é suficientemente garantida no procedimento administrativo de flagrante de trabalho escravo que leva à inclusão na lista suja.
Vigente desde 2003, a lista suja do trabalho escravo se tornou o centro de um imbróglio jurídico e político em dezembro de 2014, quando empregadores da área da construção civil acionaram o Supremo Tribunal Federal questionando a publicação do cadastro. O ministro Ricardo Lewandowski, que estava de plantão no recesso juduciário, deu uma liminar suspendendo a divulgação do cadastro
Desde então, o governo redigiu duas novas portarias com regras na tentativa de atender às reclamações levadas à Justiça, até que a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação no Supremo, considerou que as normas criadas preenchiam as lacunas apontadas e arquivou a ação por perda do objeto, em meados de 2016.
Essa nova portaria indicou que a lista suja deveria ser retomada em seis meses, mas o Ministério do Trabalho, que faz a fiscalização e publica o cadastro de empresas flagradas, recusou-se a fazer a divulgação. Diante disso, o Ministério Público do Trabalho ingressou no fim do ano passado com uma ação no Tribunal Regional da 10ª Região, que determinou em caráter liminar a publicação da lista.
O governo recorreu e a Justiça manteve o entendimento, dando novo prazo para divulgação, que se encerrou no início deste mês. Ao mesmo tempo, a Advocacia-Geral da União (AGU) obteve do presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho, uma liminar derrubando a decisão anterior e concedendo 120 dias sem que a lista seja publicada, até que o grupo de trabalho do Ministério do Trabalho conclua o debate sobre a nova portaria. Uma segunda reunião do grupo está marcada para esta semana.