A CIDH e os Escritórios do Alto Comissariado alertam que a região americana continua sendo uma das mais perigosas para exercer o trabalho de defesa de direitos humanos no mundo.
No marco do Mecanismo de Ações Conjuntas para contribuir à proteção de pessoas defensoras de direitos humanos nas Américas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e os Escritórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU Direitos Humanos) expressam a sua preocupação pela continuidade de atos de violência e intimidação enfrentados por aqueles que defendem os direitos humanos nas Américas nos primeiros quatro meses do ano.
A CIDH e os Escritórios do Alto Comissariado alertam que a região americana continua sendo uma das mais perigosas para exercer o trabalho de defesa de direitos humanos no mundo. Vários países do continente lideram as estatísticas mundiais de assassinatos de pessoas defensoras de direitos humanos, as quais ainda enfrentam ameaças, ataques, perseguições, atos de intimidação, campanhas de estigmatização e desprestígio, assim como processos de criminalização por seu legítimo trabalho de defesa dos direitos humanos. Dentre as pessoas defensoras de direitos humanos e líderes sociais que foram assassinados, há beneficiárias de medidas cautelares concedidas pela CIDH e pessoas que recebiam proteção das autoridades nacionais.
A CIDH e a ONU Direitos Humanos alertam com preocupação que a Colômbia continua sendo um dos países com mais assassinatos de pessoas defensoras de direitos humanos e líderes sociais registrados no continente. Entre 1º de janeiro e 30 de abril, a ONU Direitos Humanos recebeu 51 queixas sobre assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos no país, dos quais pelo menos 21 foram verificados pela ONU Direitos Humanos como assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos (3 mulheres e 18 homens).
O mês de janeiro de 2019 foi marcado por vários ataques e assassinatos de pessoas que defendem os direitos das vítimas do conflito armado interno. Por exemplo, em janeiro de 2019, houve o assassinato de Maritza Quiroz Leiva, reclamante terras e líderes de mulheres afrodescendentes vítimas de deslocamento interno em Santa Marta, Colômbia, em virtude de disparos efetuados por homens não identificados. Em 11 de janeiro, a Sra. Alfamir Castillo Bermúdez, uma defensora e mãe de uma vítima de uma execução extrajudicial, foi atacada em Valle del Cauca, também na Colômbia, quando vários disparos atingiram o veículo no qual ela estava. No dia seguinte, em 12 de janeiro, foi realizada uma tentativa de busca e apreensão no escritório da Fundação Nydia Erika Bautista (ONG). Tanto a Sra. Alfamir como a Fundação acompanham e apoiam vítimas em casos de graves violações de direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados.
Adicionalmente, a ONU Direitos Humanos continua observando que o grupo de defensores e defensoras comunitárias e comunais continuam sendo o grupo de defensores em mais alto risco na Colômbia, e representam a maioria das vítimas mortais, até o presente. Além disso, foram denunciadas outras situações de ataques e assassinatos em outras partes do país. Cabe ressaltar que, em 4 de abril, a CIDH e a ONU Direitos Humanos na Colômbia fizeram um chamado conjunto no marco da MINGA, indicando a importância do diálogo para a atenção de demandas sociais como única saída para controlar a violência. Também destacaram que o enfoque de direitos humanos sempre semeia o caminho para o fortalecimento das democracias e do estado de direito.
A CIDH e a ONU Direitos Humanos expressam a sua preocupação com o aumento de assassinatos de pessoas defensoras de direitos humanos no México, durante os quatro primeiros meses do ano, em comparação com anos anteriores. De acordo com a informação ao alcance de ambos órgãos, pelo menos 10 pessoas defensoras de direitos humanos foram assassinadas durante este período, 9 homens e uma mulher, uma cifra próxima dos pelo menos 13 casos documentados durante todo o ano de 2018, o que supõe um significativo aumento da violência. Preocupa especialmente que 8 das pessoas defensoras assassinadas sejam indígenas.
Assim sendo, em 3 de janeiro, ocorreu o assassinato do defensor de direitos humanos Sinar Corzo, que era membro do Comitê Cidadão de Defesa dos Direitos Humanos “El Coloso de Piedra“, e que em 2013 foi vítima de detenção arbitrária no marco de sua participação em atividades de defesa do direito à água. Em 17 de janeiro, os defensores de direitos humanos Noé Jiménez Pablo e José Santiago Gómez Álvarez foram vítimas de desaparecimento forçado, quando participavam de uma aglomeração em frente do Palácio Municipal de Amatán, Chiapas, e seus corpos sem vida foram localizados em 18 de janeiro.
Noé Jiménez era beneficiário do Mecanismo de Proteção a pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas. Em 9 de fevereiro, Óscar Cazorla, ativista pelos direitos das pessoas LGBTI e defensor da comunidade muxe, foi assassinado em sua residência, em Juchitán de Zaragoza, no estado de Oaxaca. Em 20 de fevereiro, Samir Flores, defensor indígena da terra e do território em relação a megaprojetos e comunicador comunitário foi assassinado em sua casa, em Amilcingo, Morelos. Além disso, em 30 de março, foi denunciado o assassinato de Abiram Hernández Fernández, ativista e defensor de direitos humanos, no estado de Veracruz, que teria sido agredido em sua residência.
Adicionalmente, a CIDH e a ONU Direitos Humanos expressaram a sua preocupação com o desaparecimento no México dos defensores de direitos humanos Obtilia Eugenio Manuel e Hilario Cornelio Castro, que estavam desaparecidos desde 12 de fevereiro até 19 de fevereiro de 2019, quando foram liberados por seus captores após uma intensa campanha de busca. Obtilia e Hilario estavam indo em transporte público de Tierra Colorada a Chilpancingo, no estado de Guerrero, quando foram privados de sua liberdade. Obtilia Eugenio Manuel foi beneficiária de medidas cautelares concedidas pela CIDH, e é beneficiária de medidas provisórias outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos desde 2009.
A CIDH e a ONU Direitos Humanos também observam com preocupação os homicídios de pessoas defensoras registrados em outros países, como Honduras, Brasil, Costa Rica, Peru e Guatemala. Por exemplo, em Honduras, a CIDH e a ONU Direitos Humanos condenaram o assassinato de Salomón Matute e seu filho Juan Samael Matute, em fevereiro de 2019, ambos indígenas tolupanes, integrantes da tribo San Francisco Locomapa e do Movimento Amplo pela Dignidade e Justiça (MAJD), no departamento de Yoro.
Salomón Matute era beneficiário de medidas cautelares concedidas pela CIDH desde 2013, em virtude de ameaças, intimidações e atos de violência devido ao seu trabalho como defensor do meio ambiente e dos povos indígenas. No Brasil, foram denunciados em março de 2019 os homicídios de Dilma Ferreira Silva, coordenadora em Tucuruí do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), de seu esposo, Claudionor Costa da Silva, e de um amigo, Milton Lopes, no município de Baião, no estado do Pará. Dilma Ferreira Silva era uma destacada defensora e reconhecida liderança que lutou pelos direitos das pessoas atingidas pela empresa hidrelétrica de Tucuruí. Adicionalmente, foi denunciada a morte da ativista ambiental Rosane Santiago, torturada e assassinada, na cidade de Nova Viçosa, no estado da Bahia, em 29 de janeiro.
No mesmo mês, a CIDH condenou o assassinato de Sergio Rojas, líder indígena bribri, em Salitre, Costa Rica. Sergio Rojas, como membro do povo indígena Bribri de Salitre, foi beneficiário de medidas cautelares concedidas pela CIDH desde 2015. No Peru, em abril de 2019, segundo informações públicas, Cristian Java Ríos, indígena urarina da comunidade nativa La Petrolera e defensor do meio ambiente, foi assassinado por invasores de suas terras e várias pessoas da comunidade que o acompanhavam ficaram feridas. Na Guatemala, em janeiro de 2019, Delfino Agustín Vidal, membro da organização camponesa CODECA, foi assassinado no departamento de Jalapa, em um ato que poderia ter motivação política.
Em relação com casos de intimidação e ameaças, a CIDH e a ONU Direitos Humanos documentaram que as pessoas defensoras e organizações da sociedade civil da Nicarágua, em virtude da persistente crise social e política iniciada pelos protestos massivos em abril de 2018, continuam sendo vítimas de atos de intimidação, ameaças e estigmatização nas redes sociais, assim como perseguição como buscas ilegais, assédios em suas residências, e a presença de agentes policias e pessoas à paisana nas proximidades de seus escritórios. Em 7 de fevereiro de 2019, os escritórios da Rede Nicaraguense para a Democracia e Desenvolvimento, uma coalizão de 22 organizações que trabalham em todo o país, foram objeto de uma operação apenas seis dias após um grupo de representantes da sociedade civil nicaraguense, inclusive alguns membros da Rede, terem compartilhado suas preocupações sobre a restrição do espaço cívico com a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Genebra.
Em fevereiro de 2019, na Venezuela, a CIDH expressou a sua preocupação pela contínua perseguição contra defensoras e defensores de direitos humanos, incluindo ameaças e acusações contra o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais (OVCS), PROVEA, Fórum Penal, e pessoas defensoras que pertencem a estas organizações. Por sua vez, na Colômbia, a CIDH foi informada sobre um incremento das ameaças em relação ao ano anterior. De acordo com organizações da sociedade civil, a cifra foi duplicada em relação ao mesmo período do ano anterior.
No Brasil, em 18 de janeiro, a Comissão fez referência aos fatos violentos cometidos contra trabalhadores rurais na Fazenda Agropecuária Bauru, no município de Colniza, estado do Mato Grosso. Além disso, em 8 de março de 2019, a CIDH concedeu medidas cautelares em benefício de Julio Lancellotti, defensor de direitos humanos de pessoas em situação de rua e responsável pela “Pastoral da População de Rua”, em São Paulo, em virtude de ter sido vítima de diversos atos de violência e ameaças, inclusive por autoridades da força pública. Adicionalmente, em janeiro de 2019, o deputado federal Jean Wyllys anunciou o abandono de seu cargo e a saída do país, devido ao nível de ameaças de morte contra ele e sua família.
Em termos de criminalização, a ONU Direitos Humanos e a CIDH expressaram reiteradamente sua preocupação com a situação de criminalização enfrentada por aqueles que defendem os direitos humanos na Guatemala, particularmente trabalhadores rurais e indígenas que defendem o direito à terra e ao território de suas comunidades. Em 26 de abril de 2019, o Tribunal de Maior Risco absolveu de todas as acusações o defensor maia q’eqchí Abelino Chub Caal. Este havia permanecido mais de dois anos em prisão preventiva, acusado de crimes relacionados com o reclamo por terras ancestrais e protestos contra as atividades de empresas agroindustriais. Anteriormente, a CIDH e a ONU Direitos Humanos expressaram sua preocupação com a criminalização deste defensor. Além disso, a CIDH e a ONU Direitos Humanos receberam informações sobre a denúncia apresentada pela Corte Suprema de Justiça contra Claudia Samayoa, presidenta da Unidade de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos da Guatemala (UDEFEGUA), e de José Manuel Martínez, integrante do Movimento JusticiaYa, por fatos relacionados com sua participação em uma ação judicial apresentada por ambos em janeiro de 2019, contra 11 juízes da referida Corte guatemalteca.
Na Venezuela, em março de 2019, o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) prendeu o defensor de direitos humanos e jornalista, Luis Carlos Díaz, por acusações de conspiração para provocar o apagão que atingiu o país. No mesmo dia, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos solicitou a sua liberação. Após 24 horas, Luis Carlos Díaz foi colocado em liberdade condicional. Ele e a também jornalista e defensora de direitos humanos Naky Soto, enfrentam em liberdade uma ação penal na qual são processados por aquelas acusações. Em 5 de abril de 2019, a CIDH expressou a sua preocupação pela perseguição judicial contra pessoas defensoras de direitos humanos. Nesse sentido, indicou que observou novamente uma intensificação no padrão de perseguição em virtude de declarações estigmatizantes feitas por autoridades do Estado e, de acordo com as informações apresentadas, nas últimas semanas pelo menos 5 das pessoas que haviam sido mencionadas previamente em programas de televisão foram detidas, sem ordem judicial.
A Comissão e a ONU Direitos Humanos recordam que é obrigação dos Estados investigar de ofício fatos desta natureza, e punir os responsáveis materiais e intelectuais. Ambos os organismos instam os Estados a esgotar todas as linhas de investigação relevantes para esclarecer estes fatos, incluindo a possível vinculação entre os assassinatos, desaparecimentos e outras agressões com o trabalho em defesa dos direitos humanos. Tais investigações devem ser conduzidas com devida diligência, de forma exaustiva, séria e imparcial. Além disso, a ONU Direitos Humanos e a CIDH recordam que, em casos de mulheres defensoras de direitos humanos e grupos em situação de especial vulnerabilidade, os Estados devem levar devidamente em consideração que, além do risco inerente próprio do seu trabalho, ainda existe o contexto de discriminação por gênero ou por pertencer a grupos historicamente discriminados, e devem adotar medidas de proteção e realizar investigações com plena incorporação da perspectiva de gênero e intercultural. Os Estados devem adotar medidas razoáveis para prevenir atos de violência contra pessoas destes grupos, e remediar o contexto de discriminação que promove a sua repetição.
Diante deste cenário, a CIDH e a ONU Direitos Humanos recordam o papel essencial cumprido pelas pessoas defensoras de direitos humanos para o fortalecimento e consolidação das democracias, e reiteram a obrigação dos Estados de proteger integralmente o direito a defender os direitos. Da mesma forma, os Estados devem redobrar seus esforços em termos de respeito, prevenção de agressões, investigação de casos e proteção das pessoas defensoras de direitos humanos com o objetivo de que possam exercer sua profissão livremente. Neste sentido, é urgente que os Estados americanos adotem medidas positivas que fomentem uma cultura de direitos humanos e um ambiente livre de violência e ameaças, reconhecendo o valor e a importância do trabalho das pessoas defensoras de direitos humanos, e realizar investigações sérias e efetivas sobre qualquer violação de direitos humanos contra as mesmas.
A construção de um ambiente propício para exercer o direito de defender direitos humanos exige a vontade contundente dos Estados. Para tanto, a CIDH e a ONU Direitos Humanos reconhecem importantes avanços na região, tais como a recente adoção do “Protocolo para garantir a proteção de pessoas defensoras de direitos humanos”, no Peru. Adicionalmente, destacam a rejeição manifestada pelas autoridades peruanas em relação a tentativas de macular a natureza dos mecanismos de proteção para pessoas defensoras, e as expressões que estigmatizam a atividades daqueles que defendem os direitos humanos.
No México, o governo federal comprometeu-se publicamente a fortalecer a atuação do Mecanismo de Proteção para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos e Jornalistas, iniciando para isso um diagnóstico sobre a situação atual, do qual a ONU Direitos Humanos participa. Em El Salvador, continuaram as atividades das mesas de trabalho sobre atuação policial e assuntos penitenciários, convocadas pelo Ministério da Justiça, com a participação de defensores e defensoras de direitos humanos, que têm sido espaços importantes para discutir estes temas. Na Colômbia, a Procuradoria Geral da Nação relatou alguns avanços relativos à identificação de autores materiais. Além disso, o governo da Colômbia anunciou recentemente a criação de juízes especializados para assassinatos de líderes sociais.
Em nível regional, a Guiana tornou-se o primeiro país a ratificar o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, mais conhecido como Acordo de Escazú, que é o primeiro tratado internacional de caráter vinculante que reconhece as pessoas defensoras de direitos humanos, especificamente aquelas que defendem o meio ambiente. A CIDH e a ONU Direitos Humanos confiam que este importante passo será seguido em breve pelo resto dos países da região, dando assim um novo impulso ao reconhecimento e proteção do trabalho das pessoas defensoras de direitos humanos.
O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ONU Direitos Humanos) é a principal entidade das Nações Unidas no âmbito dos direitos humanos. A Assembleia Geral encomendou ao Alto Comissariado e ao seu Escritório a missão de promover e proteger todos os direitos humanos de todas as pessoas. A ONU Direitos Humanos proporciona assistência na forma de competências técnicas e fomento de capacidades para apoiar a aplicação em campo das normas internacionais de direitos humanos. A ONU Direitos Humanos ajuda os governos, os quais possuem a responsabilidade primordial de proteger os direitos humanos, a cumprir suas obrigações e apoia os indivíduos na reivindicação de seus direitos. Além disso, denuncia de maneira objetiva as violações de direitos humanos.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.