Há exatos 83 anos, no dia 27 de junho de 1937, na Iugoslávia, em Osijek – hoje a quarta maior cidade da Croácia – nascia Vlado Herzog. Vlado era seu nome verdadeiro; Vladimir foi o modo que escolheu assinar porque lhe parecia menos exótico aos ouvidos brasileiros. No Brasil, fez amigos, família e construiu uma carreira profissional brilhante, bruscamente interrompida pelas forças de repressão que sustentaram o regime militar.
A história de Vladimir Herzog ficou conhecida de trás para frente. Primeiro, a comoção popular contra a prisão, a tortura e o assassinato de um jornalista. Depois, a versão oficial de um suposto suicídio. A partir de então – e até os dias de hoje – a incansável luta da família e de amigos pelo direito à verdade e à justiça.
Entre idas e vindas, são 45 anos de perguntas não respondidas. Uma delas, em especial, causa intriga particular neste momento: quem é, afinal, Vladimir Herzog?
Quem era esse jornalista cujo assassinato repercutiu mundialmente, revelando a perversidade do regime militar? Onde estão os textos que ele editou e escreveu? Como foi sua vida? Quem era esse pai, esse amigo, esse companheiro? O amante das artes, o desbravador dos audiovisuais, o pescador, o profissional intrigado com as potencialidades educativas das novas tecnologias, o observador das estrelas, o sonhador – facetas todas ofuscadas por uma morte prematura.
Graças à consolidação das políticas públicas de memória, verdade e justiça adotadas pelo Estado brasileiro desde o fim da ditadura, e às conquistas obtidas por essas iniciativas, hoje é possível revelar ao público esse intrigante mosaico de cores, memórias e afetos que compõem a trajetória interrompida de Vladimir Herzog e de tantos outros que sacrificaram as próprias vidas em defesa de um país mais justo e socialmente responsável.
Na intenção de juntar as peças dispersas desse quebra-cabeças, o Instituto Vladimir Herzog foi criado há exatos onze anos. Para além de cumprir essa missão de contar a nossa História – especialmente a mais recente, ocultada pela ditadura sob sistemática censura, o Instituto passou a almejar a transformação da cultura da sociedade para transformar as entranhas da própria sociedade.
Com o tempo, o trabalho passou a focar na formação dos valores do indivíduo, desde os seus primeiros anos de vida, buscando o respeito e a valorização da diversidade em todas as dimensões e a consciência dos direitos de todos os cidadãos.
Apesar disso, o Brasil e o próprio Instituto ainda precisam fazer muito no que diz respeito a contar a nossa história. O autoritarismo e a impunidade ainda são marcas da nossa sociedade e se traduzem, por exemplo, na tolerância à violência de Estado, nos pedidos por uma nova intervenção militar, nos permanentes ataques aos movimentos sociais. Como se não bastasse, em plena democracia, cidadãos convivem com ações policiais e intervenções militares que têm características muito semelhantes às dos aparatos de repressão da ditadura que levaram à morte de Herzog.
O fato é que sem garantias de que todos tenham acesso ao direito à memória, à verdade e à justiça, o regime democrático não se fortalece. E é nosso dever atuar cotidianamente para que a democracia prospere.
Quem é Vladimir Herzog? Ele foi daqueles pessoas especiais, únicas e ímpares. Cujo trabalho em vida e legado nos inspira hoje. Ele está em cada um de nós que não nos contentamos com injustiças e não aceitamos relativizações ou questionamentos das gravíssimas violações de direitos humanos que marcaram a história do país e, infelizmente, reverberam em nossa sociedade até os dias de hoje.
Por isso, neste 27 de junho celebramos o legado e os 83 anos deste personagem tão importante na história do Brasil e que tanto nos inspira a seguirmos lutando para que a sociedade mantenha sua capacidade de indignação e sua ação transformadora.
E por isso temos a convicção de que Vladimir Herzog permanece vivo. Muito vivo.
Por meio do Instituto, do Prêmio, do Centro Acadêmico, da Praça e das ruas que levam seu nome. E por meio de tantos outros espaços, eventos, instituições, filmes, livros, exposições e iniciativas diversas que homenageiam e resgatam a memória de um período tão cruel, tão triste, mas tão importante na história do país.
A luta continua.
Vladimir Herzog, 83 anos. Presente!