16/02/2018

Asma Jahangir, defensora dos direitos humanos, morre aos 66 anos

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Advogada e ativista paquistanesa foi a primeira mulher Relatora Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Extrajudiciais e Arbitrárias a pisar em solo brasileiro.

Por Rodrigo Deodato*

Um infarto paralisou, no último dia 11 de fevereiro de 2018, o coração de uma das figuras mais importantes na luta pelos Direitos Humanos no mundo: a advogada e ativista paquistanesa Asma Jahangir, 66 anos.

Talvez o nome não diga muito para a maioria, mas ela foi a primeira mulher Relatora Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Extrajudiciais e Arbitrárias a pisar em solo brasileiro oficialmente, nos idos de setembro de 2003, chegando a visitar o Estado de Pernambuco.

Quando esteve em Itambé/PE, zona da mata norte, ouviu relatos dramáticos da atuação em larga escala de grupos de extermínio e esquadrões da morte, muitos deles com participação ativa de agentes do estado.

Foi a primeira vez que, na televisão, eu com 17 anos, ouvi falar do papel dos Direitos Humanos Internacionais e do nome GAJOP – que se tornariam ambos, decisivos em minha trajetória.

Após sua passagem por Pernambuco, acompanhada por representantes da Sociedade Civil à época, incluindo o GAJOP – citado em seu relatório oficial pela qualidade das denúncias feitas -, um dos depoentes foi assassinado a queima roupa na região, como sinal de que a impunidade e a violência enviavam um recado muito mais amplo contra a luta pelos Direitos Humanos.

O fato foi repudiado pela Sra. Jahangir logo no início do seu relatório de missão ao Brasil, apresentado a ONU, em janeiro de 2004. A Relatora Especial expressou “sérias preocupações quanto ao que poderiam ser considerados como atos de represália” e encorajou “o governo a tomar todas as medidas necessárias para proteger vítimas e testemunhas de violações de Direitos Humanos”.

No final de sua missão ao Brasil, ela foi questionada sobre o que mais a havia chocado e respondeu que: “Eu já vi tanta coisa ruim neste trabalho que faço que de alguma forma não consigo mais ficar chocada. Mas o que mais tem me chateado são os testemunhos das mães que perderam seus filhos mortos por agentes do Estado. O pior é que elas não conseguem nem ser ouvidas pelas pessoas do Estado. O que me atingiu mais foi que em todos os testemunhos as mães tentam me convencer que seus filhos são inocentes. Elas ficam implorando pelo reconhecimento da inocência deles, em vez de se sentirem ultrajadas com o que aconteceu com as crianças”.

Passados 15 anos desde a vinda de Asma Jahangir ao Brasil, mães continuam a implorar pelos seus filhos, mães ainda não conseguem ser ouvidas pelo Estado, mães continuam a perder seus filhos… Entretanto, a indignação e o ultraje diante das violações de Direitos Humanos têm ganhado força e novas linhas de frente para que o Acesso à Justiça se torne concreto algum dia surgiram.

E para os que pensam que abandonar tudo seria a solução, Asma Jahangir, sobre a situação delicada do Paquistão – sua terra natal-, certa vez disse: “Não vou embora! Meus ancestrais estão enterrados aqui e minha vida está aqui!”.

Com o ingresso na imortalidade, a Sra. Jahangir nos deixa uma lacuna no cenário internacional, mas suas recomendações ao Brasil, algumas ainda não implementadas pelos governos, bem como o seu exemplo de incansável coragem continuarão a nos inspirar. A ela o nosso respeito e a certeza de que nós também não vamos embora… e enquanto houver filhos e filhas sendo enterrados neste solo, diante das violações aos Direitos Humanos de todas e todos, a nossa vida e a nossa luta estará aqui!

O Instituto Vladimir Herzog lamenta profundamente a morte de Asma Jahangir e manifesta todo o respeito e agradecimento a sua luta.

*Rodrigo Deodato é mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, membro da Coordenação do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em Pernambuco, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Pernambuco e membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente em Pernambuco.

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