24/10/2016

Venezuela: Governo ataca críticos enquanto crise se agrava

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(Washington, DC) – O governo da Venezuela tem atacado aqueles que criticam seus esforços inefetivos para aliviar a escassez de alimentos e de medicamentos essenciais enquanto a crise do país persiste, afirma a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje. Governos regionais deveriam pressionar o governo do presidente Nicolás Maduro a adotar medidas imediatas para lidar melhor com a profunda crise humanitária, o que inclui explorar formas de contar com maior ajuda internacional.

O relatório de 82 páginas, intitulado “Crise Humanitária da Venezuela: Escassez Severa de Medicamentos e Alimentos, Resposta Inadequada e Repressora do Governo” (em espanhol, “Crisis humanitaria en Venezuela: La inadecuada y represiva respuesta del gobierno ante la grave escasez de medicinas, insumos y alimentos”), documenta como a escassez tem tornado extremamente difícil o acesso de muitos venezuelanos a assistência médica essencial ou o atendimento das necessidades básicas de suas famílias. O governo venezuelano tem procurado minimizar a gravidade da crise. Embora as próprias iniciativas do governo para aliviar a escassez não tenham tido sucesso, os esforços para receber assistência humanitária internacional, que poderiam estar prontamente disponíveis, foram limitados. Enquanto isso, o governo tem intimidado e punido críticos, incluindo profissionais da saúde, defensores dos direitos humanos e venezuelanos comuns que têm denunciado a escassez.

“O governo venezuelano parece mais motivado a negar a existência de uma crise humanitária do que a trabalhar para resolvê-la”, disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas na Human Rights Watch. “Seus fracassos têm contribuído para o sofrimento de muitos venezuelanos, que agora lutam diariamente para ter acesso a saúde básica e à nutrição adequada.”

O governo da Venezuela tem negado veementemente que a escassez constitua uma crise. Quando órgãos oficiais reconheceram a escassez, eles culparam uma “guerra econômica” travada pela oposição política, o setor privado e forças estrangeiras. O governo não ofereceu evidências para comprovar essas acusações.

A Human Rights Watch entrevistou mais de 100 pessoas sobre a situação humanitária em junho de 2016, em Caracas, a capital, e seis estados – Aragua, Carabobo, Lara, Táchira, Trujilo e Zulia – além de acompanhar a situação por telefone e outros meios de comunicação. Pesquisadores visitaram oito hospitais públicos, um centro de saúde na fronteira com a Colômbia e uma fundação que oferece cuidados médicos. A Human Rights Watch entrevistou pessoas em filas de diferentes locais enquanto tentavam comprar mercadorias com preços regulados e também falou com profissionais de saúde, pessoas em busca de cuidados médicos, pessoas que foram presas em conexão com protestos contra a escassez, defensores dos direitos humanos e especialistas em saúde pública.

A falta de medicamentos básicos e outros suprimentos médicos cruciais provocou uma deterioração significativa na qualidade e segurança do cuidado médico nos últimos dois anos, constatou a Human Rights Watch. Médicos e pacientes relataram escassez severa – e, em alguns casos, a ausência completa – de medicamentos básicos como antibióticos e analgésicos. Dentre os suprimentos insuficientes ou ausentes incluíam-se luvas cirúrgicas, gaze e álcool médico.

Uma pesquisa realizada em agosto de 2016 por uma rede de mais de 200 médicos constatou que 76% dos hospitais públicos nos quais os profissionais trabalhavam não tinham medicamentos básicos que, segundo a rede, deveriam estar disponíveis em qualquer hospital público em funcionamento.

Pessoas em situação de emergência ou com doenças crônicas como câncer, hipertensão, diabetes e epilepsia, assim como pacientes com órgãos transplantados, relataram ter dificuldade de encontrar medicamentos essenciais. Os remédios estão frequentemente indisponíveis tanto em farmácias públicas quanto privadas e são excessivamente caros quando comprados no exterior. Esses medicamentos também estão indisponíveis ou caros demais no mercado ilegal, onde são vendidos sem garantia de qualidade – sendo assim praticamente impossível obtê-los.

O “sofrimento e a incerteza são pesadelos diários”, disse a mãe de uma menina diabética de 9 anos sobre a busca pelos medicamentos que sua filha necessita.

A taxa de mortalidade materna nos primeiros cinco meses de 2016, segundo o Ministério da Saúde, foi 79% mais alta do que a última taxa divulgada, em 2009. A taxa de mortalidade infantil aumentou 45% com relação a números de 2013. Profissionais de saúde disseram à Human Rights Watch que a escassez de medicamentos e as condições insalubres das salas de parto dos hospitais são fatores importantes que contribuem para esse aumento.

Muitos venezuelanos têm cada vez mais dificuldade de obter uma nutrição adequada, constatou a Human Rights Watch, especialmente as famílias mais pobres ou de classe média, que dependem de itens com preços regulados pelo governo. Alguns mercados oferecem alimentos e até mesmo itens de luxo, mas a preços que muitos não podem pagar.

Pesquisadores da Human Rights Watch encontraram longas filas que se formavam cada vez que supermercados recebiam mercadorias com preços regulados. Pessoas esperando nas filas disseram que tentavam comprar itens como arroz, macarrão, farinha, fraldas, pasta de dente e papel higiênico. Supermercados costumavam ficar com os estoques vazios muito antes de atenderem toda a fila.

Em uma pesquisa realizada em 2015 por grupos independentes da sociedade civil e duas universidades venezuelanas de renome, 87% das 1488 pessoas entrevistadas em 21 cidades de todo o país – a maioria de famílias pobres – disseram ter dificuldades para comprar comida. Cerca de 12% das pessoas disseram que comiam apenas uma ou duas refeições ao dia.

Especialistas em saúde pública têm encontrado, em diversos países da América Latina, relação entre a insegurança alimentar e graves problemas físicos e mentais em adultos, além do baixo crescimento e problemas de desenvolvimento emocional e cognitivo entre crianças. Na Venezuela, diversos médicos, membros da comunidade e pais disseram à Human Rights Watch que estão começando a observar sintomas de desnutrição, principalmente em crianças.

A narrativa usada pelo governo de que há uma “guerra econômica” funciona como um argumento para justificar táticas autoritárias de intimidar e punir críticos. Profissionais de saúde que manifestaram preocupações com a escassez também foram atacados com ameaças de demissão de seus empregos em hospitais públicos. O governo também ameaçou cortar financiamento internacional de organizações de direitos humanos e tem respondido a marchas planejadas e protestos espontâneos sobre a escassez com agressão e detenção e com uma injustificável proibição de participar em manifestações. Algumas pessoas foram processadas em tribunais militares, uma violação do direto a um julgamento justo.

O governo venezuelano deve tomar medidas imediatas e urgentes para articular e desenvolver políticas efetivas para lidar com a crise, o que inclui buscar ajuda humanitária internacional, afirma a Human Rights Watch. O governo também deve parar de intimidar e punir críticos. Estados membros da Organização dos Estados Americanos devem se manter vigilantes quanto à situação até que o governo da Venezuela mostre resultados de suas ações em resposta à crise política e humanitária. As agências humanitárias da Organização das Nações Unidas devem publicar uma avaliação independente sobre a extensão e o impacto da escassez, assim como sobre o que é necessário fazer para combatê-la.

“Sem uma pressão internacional forte, especialmente de países da região, o governo de Maduro  fracassará em fazer o que é necessário para aliviar essa crise e as dramáticas consequências da crise humanitária que a Venezuela enfrenta podem piorar”, afirmou Josév Miguel Vivanco.

Relatos selecionados de venezuelanos entrevistados pela Human Rights Watch:

  • “Carlos Sánchez,” 33 anos, de Maracay, no estado Aragua, foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin em outubro de 2015. Para sua primeira cirurgia Sánchez teve que comprar medicamentos e suprimentos médicos, incluindo analgésicos, antibióticos e soluções salinas, e levar ao hospital, contou sua esposa “Ana Vargas”. Ana disse que tem usado mensagens no WhatsApp e redes sociais, incluindo Instagram e Facebook, para pedir pelos medicamentos que Sánchez precisava para a cirurgia e desde que foi operado. Ela não consegue encontrá-los em farmácias locais. Ana, que trabalha para uma agência do governo, pediu para manter seu nome e de seu marido em sigilo com medo de perder o emprego ou de ter ainda mais dificuldade para ajudar o marido a obter tratamento em instituições públicas.
  • Os pais de Carol Jiménez, uma menina de 9 anos com diabetes em Valencia, no estado Carabobo, têm tido muita dificuldade, desde 2014, para encontrar a insulina para controlar o nível de açúcar no sangue e as tiras para medir glicemia, conta a mãe, Deysis Pinto. Deysis afirma que “no início, era tudo normal, íamos à farmácia e até mesmo através dos laboratórios dos hospitais” era possível encontrar o que precisavam. Deysis agora dedica sua energia a encontrar os medicamentos necessários e, embora ela esteja conseguindo, o “sofrimento e a incerteza são pesadelos diários”. Ela diz que recorre às redes sociais juntamente com outros diabéticos, usando Twitter, Instagram e grupos de mensagem no WhatsAppp para procurar por medicamentos em farmácias em outras regiões do país. Jiménez não tem conseguido receber medicamentos enviados de outras cidades e, por isso, precisa esperar para que alguém viaje a Valencia vindo de algum lugar onde os medicamentos estão disponíveis. “É assim que temos conseguido obter o tratamento que mantem nossa filha viva”, afirma ela.
  • Sandra Silva, de 33 anos, mãe de uma criança que têm febre alta e convulsões com frequência, não tem conseguido comprar acetaminofeno ou paracetamol para seu filho no estado Táchira há mais de um ano, ela conta. Em uma ocasião recente, quando ela levou o filho a um hospital público, os médicos não puderam dar a ele nenhum medicamento, e orientaram-na a dar banho no menino para evitar que a febre continuasse a subir. Silva diz que ela tem comprado os medicamentos para o filho na Colômbia, onde eles custam quase 10 vezes mais do que na Venezuela.
  • Lizbeth Hurtadi, uma paciente de 30 anos em Caracas, tem doença de Crohn, uma doença gastrointestinal, e tem tido dificuldades para obter seus medicamentos desde meados de 2015. Lizbeth conta que ela teve de interromper o tratamento, o que provocou uma piora dos sintomas, incluindo perda de peso, de cabelos, problemas intestinais e erupções na pele. Ela tem feito posts sobre sua procura por medicamentos nas redes sociais e criou uma rede de pessoas que sofrem de doenças similares para que dividam medicamentos quando conseguem encontrá-los. Por vezes, quando não conseguiu obter medicamentos em outros lugares, Lizbeth tomou pílulas vencidas que conseguiu pela rede, disse ela.
  • Jesús Espinoza, um jovem de 16 anos em Valencia, no estado Carabobo, fez três transplantes de rim e tem feito hemodiálise desde 2013, contaram Jesús e seus pais. Sua mãe disse que eles vão “de farmácia à farmácia” procurando por medicamentos, inclusive os medicamentos para controlar a pressão sanguínea de Jesús, que é crucial para lidar com sua condição de saúde. Quando a medicação está disponível, conta ela, “sempre tem uma multidão e, quando chega a sua vez, esgotou. Então você não consegue comprar o remédio”. Quando isso acontece, mães no hospital trocam vários tipos de medicamentos que seus filhos precisam, conta a mãe de Jesús, o que muitas vezes a ajudou na obtenção da medicação para seu filho.

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