17/08/2017

STF nega a MT pedidos de indenização por desapropriação de terras indígenas

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Julgamento levou grupos indígenas a montarem vigília em frente ao prédio do Supremo. Em vez de conceder indenização, Corte condenou estado a arcar com despesas do processo.

Por Renan Ramalho, G1, Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou nesta quarta-feira (16) dois pedidos do governo de Mato Grosso para receber uma indenização da União pela desapropriação de terras do estado para demarcação de terras indígenas que integram o Parque Nacional do Xingu e as reservas Nambikwára e Parecis.

Na mesma decisão, a Corte também decidiu que o estado deverá pagar à União R$ 100 mil pelos custos de defesa arcados pelo governo no processo.

Ao final do julgamento, indígenas que fizeram uma vigília em frente ao prédio do STF dançaram na Praça dos Três Poderes para comemorar a decisão contrária ao pleito do governo do Mato Grosso.

O índio guarani kaiowa Adilio Benites, de Mato Grosso do Sul, disse ao G1 que a decisão foi uma surpresa positiva.

“É uma vitória muito importante para o nosso povo, nossa família que está lá no Mato Grosso sofrendo e lutando por saúde, território”, comemorou o indígena.

No julgamento, o governo mato-grossense alegava que as áreas foram incluídas nas terras indígenas de forma irregular, já que pertenciam ao estado desde o final do século 19, concedidas pela própria União na Constituição de 1891. Por isso, sua anexação para as reservas deveria ter sido feita mediante pagamento, alegavam os advogados de Mato Grosso.

A União, por sua vez, argumentou que as terras nunca pertenceram ao estado, pois, desde antes, a legislação já reconhecia a posse pelos índios dos territórios tradicionalmente ocupados pelas tribos. A Constituição de 1988, em vigor, reconhece que as terras ocupadas pelos índios pertencem à União e, portanto, podem ser a eles cedidas.

Por unanimidade, os oito ministros do STF presentes na sessão – Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Cármen Lúcia – negaram a indenização ao governo mato-grossense ao reconhecer, com base em estudos, que as terras eram ocupadas de forma permanente muito antes das demarcações, e portanto, já pertenciam à União.

O Parque do Xingu foi criado, em 1961, por decreto do então presidente Jânio Quadros. Já as reservas Nambikwára e Parecis foram criadas, em 1968, por decreto do então presidente Costa e Silva.

Relator das ações, o ministro Marco Aurélio Mello citou laudo do antropólogo João Dal Poz Neto atestando a ocupação indígena de vários pontos da bacia do Xingu há pelo menos 800 anos.

“As observações do estado autor não têm o efeito de afastar as conclusões do último laudo, podendo-se afirmar que as terras que passaram a compor o Parque Xingu não eram de titularidade do estado de Mato Grosso, pois, ocupadas, historicamente, por povos indígenas”, afirmou o ministro em seu voto.

Sobre às demais reservas, Marco Aurélio também citou perícia do antropólogo Rinaldo Sérgio Vieira Arruda que aponta que os índios parecis já ocupavam a região em 1553. Quanto aos nambikwaras, o antropólogo verificou que habitavam a área há pelo menos 300 anos.

Marco temporal
Havia entre indígenas e ONGs a expectativa de que no julgamento desta quarta-feira os ministros também discutissem a adoção do critério conhecido como “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas.

Segundo esse critério, só teriam direito de reivindicar as terras os povos que as estivessem ocupando até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição. Assim, aqueles índios que estavam expulsos dessas áreas à época ficariam impedidos de voltar para os territórios.

O critério passou a ser adotado em julho pelo governo, em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU, assinado pelo presidente Michel Temer, com base em julgamento de 2009 do STF válido somente para a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A discussão desse tema, no entanto, não entrou em pauta no julgamento que ocorreu nesta quarta para analisar as ações ajuizadas pelo governo do Mato Grosso.

Vigília
O julgamento mobilizou vários grupos indígenas a ocuparem a área em frente ao prédio do tribunal desde a noite de terça, em uma vigília e até “oração” contra o pedido de Mato Grosso.

Lideranças dos índios estimam a presença de 250 pessoas no protesto. A Policia Militar do Distrito Federal ainda não divulgou números de manifestantes na Praça dos Três Poderes.

Cerca de 150 indígenas conseguiram entrar no STF para acompanhar o julgamento. Eles passaram a noite em vigília na Praça dos Três Poderes. Os povos Guarani kaiowa e Guarani Nhandeva realizaram rituais e permaneceram em oração durante o julgamento.

Em protesto, estenderam faixas nas barreiras de contenção que circundam o prédio com os dizeres “reparação já” e “nossa história não começou em 1988”.

O julgamento
Na sessão desta quarta-feira, o procurador de Mato Grosso Lucas Dalamico afirmou que as terras pertenciam ao estado desde 1891, quando a Constituição da época concedeu os territórios. O Parque do Xingu foi criado, em 1961, por meio de decreto do então presidente Jânio Quadros.

“A partir da análise do decreto que instituiu o decreto, não havia posse permanente dos índios na região do Xingu antes de 1961”, ponderou Dalamico.

Segundo o procurador mato-grossense, a Constituição vigente à época, de 1946, concedia somente ao próprio estado a competência para demarcar as áreas indígenas, e não à União.

Representando o governo federal, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, contestou o pedido de indenização, afirmando que as terras pertenciam, sim, aos indígenas na época da demarcação.

“Não há nos autos uma única demonstração, comprovação, de que esses povos deixaram de estar presentes nessas terras. O que há é farta documentação que revela a presença desses povos nessa área”, enfatizou.

Também em defesa da regularidade da demarcação, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, citou estudos que mostram a ocupação permanente dos índios antes de 1961.

“O que se pode assegurar, a partir dos dados históricos, etnológicos, etnográficos coletados e analisados é que toda a extensão dessas terras indígenas se constitui em área de ocupação histórica e tradicional indígenas”, argumentou Janot.

Quilombolas
Na sessão da tarde desta quarta-feira estava pautado o julgamento de uma ação apresentada pelo DEM com objetivo de derrubar um decreto de 2003 do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com regras para identificação e demarcação de terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas.

O julgamento, no entanto, foi suspenso pela ausência do ministro Dias Toffoli, que está em licença médica e seria o próximo a votar.

A análise do tema em plenário foi iniciada em 2012, quando o ministro aposentado Cezar Peluso votou para derrubar o decreto. Em 2015, Rosa Weber votou para validá-lo. Faltam agora os votos de outros 9 ministros.

Na ação, o partido contesta o critério de autoatribuição fixado no decreto para identificar os remanescentes dos quilombos e na caracterização das terras a serem reconhecidas a essas comunidades.

Restou na pauta, para a tarde desta quarta, o julgamento de três ações que discutem a criação, pelo governo federal, de várias áreas de conservação ambiental, entre as quais os parques nacionais das Araucárias e da Serra do Itajaí, em Santa Catarina; e da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari, das Florestas Nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do Crepori e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, no Norte do país.

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