A comunicação periférica no enfrentamento da Covid-19
Desde que alguns governos estaduais começaram a adotar medidas para o isolamento social da população devido à pandemia de coronavírus (Covid-19), acendeu-se um sinal de alerta para os moradores das regiões periféricas e mais vulneráveis do país. Comunicadores, agentes sociais e instituições não governamentais que atuam em periferias começaram a traçar estratégias de ações para mitigar os efeitos da pandemia em seus territórios. Para conhecer melhor essa realidade, entrevistamos a educadora social Fabíola Oliveira, idealizadora e diretora executiva do Odarah Cultura e Missão e articuladora do Projeto Usina de Valores no Rio de Janeiro.
Fabiola Oliveira afirma que uma das principais ações para o enfrentamento ao Covid-19 é a comunicação. “É fundamental que haja uma comunicação feita por gente favelada que sabe o que é morar em casa pequena, o que é morar em becos apertados, o que é morar perto de valão, o que é ter ratazana entrando nas suas casas, o que é sentir diretamente o impacto dos preços subindo absurdamente nos mercados, gente que conhece isso de dentro produzindo comunicação para quem está dentro” afirma.
Para Fabíola, há ainda uma questão crucial nessa crise sanitária que é o acesso ao saneamento básico e à água tratada. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 48% da população, sofre com a falta de saneamento básico e 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. “O nosso povo está na favela onde não tem saneamento básico. E se não tem saneamento básico, como é que se faz a limpeza das mãos? Como é que se toma banho com mais frequência? Como é que se lava roupa com mais frequência se não tem água, se não tem acesso regularizado à água nem ao saneamento básico” questiona.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, 75% da população pobre, em sua maioria preta ou parda, sobrevive com uma renda média de apenas R$413,00 reais por mês (PNAD, 2018), implicando na precariedade das condições de moradia – com casas extremamente pequenas que mal abrigam uma família de quatro pessoas – e na necessidade de realizar longos deslocamentos entre casa e trabalho.
Com o aumento dos casos de coronavírus pelo país, começamos a observar determinados recortes sociais na população mais afetada, segundo matéria do jornal Folha de S. Paulo de 10/04/2020, o coronavírus é mais letal entre negros no Brasil. A reportagem aponta que pretos e pardos representam quase 1 em cada 4 dos brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,1%) mas chegam a 1 em cada 3 entre os mortos por Covid-19 (32,8%).
“A gente está vendo que esses dados são parecidos, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o povo preto está sendo mais impactado negativamente. Eu observo esse dado como uma constatação de que o racismo estrutural, que tem alimentado o racismo institucional, faz com que o povo preto seja o mais massacrado, a gente está falando de subnotificação, de zero suporte para o atendimento no caso de pessoas que apresentam sintomas dessa síndrome respiratória aguda grave. A gente sabe que o nosso povo favelado é o que vai ter menos acesso a respiradores e a outros equipamentos que fortalecem e que dão a possibilidade para uma pessoa continuar respirando.”
“O interessante é que precisamos de mais de trinta dias para reconhecer o quanto o racismo estrutural seria determinante para que o impacto da pandemia fosse maior nos territórios periféricos onde, consequentemente, o povo preto, pobre e favelado está inserido”. Para Fabiola, esse dado é resultado do racismo estrutural em que as instituições e todas as formulações de pensamento social estão fundadas.
Este texto faz parte da série especial “Os efeitos do coronavírus nos territórios de atuação do IVH”. Acompanhe seus desdobramentos aqui no site do Instituto Vladimir Herzog e também nos sites dos projetos Respeitar é Preciso! e Usina de Valores.