Por Robert Guedes
No dia 28 de junho, é comemorado mundialmente o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. A data marca a Revolta de Stonewall, ocorrida no ano de 1969 e adotada pela comunidade como um marco na história contra o preconceito e a homofobia.
Na mesma década, teve início a ditadura civil-militar no Brasil. O regime, que se estendeu entre 1964 e 1985, ficou marcado por inúmeras violações contra os direitos humanos e forte repressão aos ditos “subversivos” e “desviantes”. Inseridos nesta última categoria, homossexuais, transexuais e prostitutas foram alguns dos grupos sociais duramente perseguidos e marginalizados durante o regime.
A repressão se manifestava de diversas formas. Era comum ver chamadas violentas nos jornais populares contra gays, lésbicas e pessoas trans. E, incentivada pelas autoridades, a população pedia o extermínio desses grupos, que eram tratados como criminosos. A polícia costumava realizar prisões durante os fins de semana, chegando a deter cerca de 500 pessoas por noite acusadas de “vadiagem” ou “atentado aos bons costumes”. Sem fazer distinção, bastava estar em algum dos lugares tipicamente frequentados por homossexuais que automaticamente era detido. Com relação à população trans e travesti, por muitas terem a prostituição como único meio de sobrevivência, além da invisibilidade, era comum serem tratadas como algo a ser excluído das cidades.
O documentário “Temporada de Caça” (1988), da cineasta lésbica Rita Moreira, retrata a perseguição sofrida contra pessoas LGBTQIA+ durante a década de 1980. A partir de entrevistas nas ruas, Rita mostra como a comunidade era demonizada já que muitos dos entrevistados respondiam que matariam um gay e apoiavam as forças policiais neste “trabalho”. O documentário também cita que diversos laudos médicos eram alterados para inocentar os agentes da ditadura e criar álibis, permitindo dessa forma que eles escapassem de possíveis julgamentos.
A comunidade também não possuía nenhum tipo de resguardo dentro das lutas políticas nacionais, fossem de direita ou até mesmo de esquerda. O escritor João Silvério Trevisan conta em entrevista para a Comissão Nacional da Verdade que a esquerda focava principalmente na classe operária e não era raro que a homofobia interna dentro do grupo fosse prática constante. Não só a classe LGBTQIA+, mas também o movimento indígena, negro e de defesa do meio ambiente eram considerados como uma luta menor.
Surgimento da imprensa alternativa contra a censura
Muitos jornalistas, sobretudo aqueles que se opunham ao regime, tolhidos em suas opiniões e em sua militância política, se organizaram para fundar pequenos jornais. Eram publicações em formato tablóide, um modelo mais barato, com matérias que iam do humor contra o regime à análises políticas aprofundadas. Nascia, assim, a imprensa alternativa.
Dois jornais tiveram grande importância para a luta LGBTQIA+ na construção das pautas: “O Lampião da Esquina” e o “Chanacomchana”. Produzidos de forma clandestina, ambos traziam notícias de grande importância para a comunidade e debates que fortaleciam a identidade homossexual, tratada com desdém no país durante as década de 1970 e 1980. O período é considerado como o início das discussões dos grupos que buscavam o direito de viver. Entre 1979 e 1981, o jornal Lampião teve 41 edições, cada uma com mais de 15 mil exemplares em circulação. Diversas personalidades estiveram envolvidas na produção do tabloide, como o já citado escritor João Silvério Trevisan e o dramaturgo Aguinaldo Silva.
Nascimento dos primeiros coletivos LGBTQIA+
Como desdobramento das reuniões e debates, começaram a surgir também os primeiros agrupamentos com foco na questão homoafetiva, como o grupo “SOMOS”, fundado em 1978, o primeiro a sair em defesa dos direitos LGBTQIA+, e o “Grupo Gay da Bahia”, criado em 1980 e que segue em atividade até hoje.
Durante a década de 1980, quando ocorriam diversas operações policiais em que as pessoas eram espancadas, presas e torturadas por frequentar lugares populares entre a população LGBTQIA+, houve em São Paulo a 1ª Marcha Gay. Considerado o primeiro grande ato de rua organizado pelo movimento homossexual no Brasil, a marcha foi realizada no dia 13 de julho, sendo um importante passo para a luta atual da comunidade LGBTQIA+ contra a opressão e parte da resistência na ditadura militar.
A Nova Constituição não contempla a comunidade LGBTQIA+
Com o fim da ditadura, mais coletivos foram surgindo e reivindicando cada vez mais seus direitos enquanto cidadãos. Contudo, em relação à superação da discriminação, por exemplo, a Constituição de 1988 limitou-se a equiparar os direitos e deveres entre homens e mulheres, fundamentando-se no sexo de nascimento, ignorando dessa forma as as diversas distinções de gênero e orientação sexual. Sob o pretexto de proteger a família, a sociedade, seus valores e sua moral, as reivindicações da comunidade LGBTQIA+ foram praticamente excluídas do texto, em uma votação na Assembleia Constituinte.
Até hoje a nossa Carta Magna determina, genericamente, que deve ser promovido: “o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Importante destacar, que as grandes manifestações de rua promovidas nas últimas décadas serviram de base para importantes transformações e conquistas da comunidade LGBTQIA+ junto ao Estado brasileiro. A maioria dessas conquistas, em grande parte, se deu por via do Poder Judiciário e, entre elas, se destacam: a cirurgia de redesignação sexual garantida pelo SUS, a adoção de crianças por casais homoafetivos, o uso de nome social na identidade como certidão de nascimento e RG e a união estável.
Enfrentamos diariamente ataques direcionados a pessoas LGBTQIA+ no cotidiano brasileiro, por meio da grande mídia, com a censura de beijos homoafetivos em novelas e filmes, nos ambientes de trabalho, com a discriminação de gênero e orientação sexual, e nos espaços públicos, sob o temor de sofrer agressões por simples demonstrações de afeto. Apesar de ainda ter muito a ser superado, há avanços importantes como a tipificação do crime de homofobia, que passa a ser equiparado ao de racismo e injúria racial e traz novas punições a quem comete o ato preconceituoso, sendo esse um passo fundamental para a consolidação de uma democracia que, por princípio, garanta resguardo às diversidades.