DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS POR OTÁVIO ROTH
Declaração Universal Dos Direitos Humanos por Otávio Roth
10/12/2023

75 anos depois, é preciso repensar o pacto global em defesa dos Direitos Humanos

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Texto originalmente publicado como artigo no Estadão em 10 de dezembro de 2023

No dia 10 de dezembro de 1948, a partir da decisão dos Estados membros da Organização das Nações Unidas, nascia, sem qualquer voto contrário, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Décadas depois, a pergunta que nos inquieta é: qual o grau de eficiência da aplicabilidade desse pacto internacional no contexto atual do mundo? O que temos é uma realidade de crescente aumento de crises econômica, política, migratória, climática, do mundo do trabalho e de desigualdade. De miséria humana.

A consolidação do documento, que completa agora 75 anos, elaborado como uma forma de evitar a recorrência de acontecimentos tenebrosos como o Holocausto, serviria como um norte para novos tempos, para que qualquer indivíduo pudesse ser um sujeito de direitos, algo ainda mais necessário no contexto histórico delicado de pós-Segunda Guerra Mundial.

No entanto, desde 1948, dezenas de guerras e confrontos tiveram início em todo o mundo. El Salvador, Síria, Líbano, Vietnã, Camboja, China, Irã, Costa Rica, Iêmen, Palestina, África do Sul, Argélia, Guatemala, Congo e Ruanda são só alguns dos diversos exemplos de casos graves de conflito armado e consequentemente de direitos violados.

Mais recentemente, Etiópia, Tigré, Iêmen, Mianmar, Nigéria, Somália, Ucrânia e Palestina destacaram-se como países em situação humanitária crítica devido às tensões, massacres e confrontos militares. Somente no período de dois meses, foram mortos mais de 20 mil civis na Faixa de Gaza. Cerca de 6 mil das vítimas tinham, em média, cinco anos de idade.

O Unicef, entidade da ONU de proteção às crianças, denunciou que a ofensiva militar israelense representava uma “guerra contra a infância”. As decisões ou posições da ONU, no entanto, quando discutidas entre os países membros, pouco impactam na realidade. A última resolução aprovada no Conselho de Segurança, em relação ao conflito entre Israel e Hamas, por exemplo, não foi acatada até o momento.

O próprio sistema de governança e a quase nula representatividade de Estados do sul global com poder de decisão facilitam para que a imobilidade seja uma característica da organização. É evidente o fato de que o norte global pouco se interessa em interferir e resolver crises que afetam as populações em situação de vulnerabilidade.

Outra consequência dessa profunda crise mundial é a deterioração das democracias que, ao longo dos anos, e em nível global, também estiveram sob risco com a ascensão de regimes autoritários e a supressão de liberdades democráticas. No Brasil, os atos violentos de 8 de Janeiro, com o estímulo de integrantes do governo, são exemplo dessa fragilidade.

Se esse espaço de tratados internacionais – cujo objetivo é o de solucionar, amenizar ou mediar problemas em nível global de propriedades econômica, social e humanitária – não dá conta de promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, é urgente que esse pacto global seja repensado.

Ao longo do século, ao mesmo tempo em que conquistamos importantes avanços, sofremos graves períodos de emergências e retrocessos. E a cada oportunidade histórica, nos foi colocada a chance de reorganizar nossos rumos.

Portanto, depois de 75 anos, diante da crise climática, das ameaças autoritárias e da brutalidade imposta pelas guerras, é chegado o momento de mais um salto civilizatório em defesa da humanidade.

É preciso fazer com que a disposição por mudanças reais se amplie e seja capaz de transformar e fortalecer todas as estruturas que podem contribuir com o verdadeiro cumprimento dos princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ainda seguem extremamente atuais e urgentes.

POR ROGÉRIO SOTTILI – diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog. Foi Secretário Especial de Direitos Humanos do Governo Federal, Secretário Municipal de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo, Secretário Executivo da Secretaria Geral da Presidência e Secretário-Executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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