07/11/2018

Ponte no DF volta a homenagear general Costa e Silva

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Estrutura tinha sido renomeada em referência a Honestino Guimarães, morto na ditadura. Deputada eleita afirma que lei era ‘inconstitucional e autoritária’.

Por Mateus Rodrigues e Isabella Melo, do G1 DF e da TV Globo

O Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu, nesta terça-feira (6), que a “segunda ponte” sobre o Lago Sul voltará a se chamar Ponte Costa e Silva. Uma lei de 2015, que renomeou a estrutura para Ponte Honestino Guimarães, foi declarada inconstitucional. Cabe recurso.

A decisão foi confirmada pela procuradora popular e deputada federal eleita Bia Kicis (PRP), uma das autoras do pedido. Segundo ela, a lei que rebatizou a ponte era “inconstitucional e autoritária”.

Na análise, o Conselho Especial concordou com o argumento de que a ausência de uma “consulta popular” sobre o tema tornaria a lei inconstitucional. O Palácio do Buriti informou que não vai se posicionar sobre o caso.

O impasse começou em agosto de 2015, quando o projeto de lei do deputado Ricardo Vale (PT) foi aprovado na Câmara Legislativa do DF e sancionado pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB). As placas foram trocadas, mas a medida foi questionada na Justiça menos de dois meses depois.

O imbróglio chegou à cúpula da Justiça local, e os 21 desembargadores do Conselho Especial tiveram de definir quem seria o homenageado: o ex-presidente Costa e Silva, marechal dos “anos de chumbo” da ditadura militar, ou Honestino Guimarães, estudante perseguido pelo regime e desaparecido em 1972.

Disputa jurídica
Desde 2015, o caso já passou pela Vara de Meio Ambiente e pela 7ª Turma Cível do DF, sem uma solução definitiva. O processo subiu para o Conselho Especial porque, nessas idas e vindas, a ação passou a tratar da constitucionalidade da lei aprovada.

A ponte – uma das três ligações entre o Plano Piloto e o Lago Sul – foi inaugurada em 1976. Projetada por Oscar Niemeyer com o nome de “Ponte Monumental”, ela foi rebatizada pelo ex-presidente militar Ernesto Geisel para homenagear o antecessor Costa e Silva.

A mesma discussão já foi levantada no Rio de Janeiro, em tentativas de renomear a Ponte Rio-Niterói – que, oficialmente, também leva o nome de Costa e Silva. Neste caso, o projeto foi protocolado na Câmara dos Deputados em 2014, mas arquivado automaticamente com a troca de legislatura.

A ação popular é assinada por oito moradores do DF. No documento, o grupo afirma que a mudança de nome é inconstitucional por “vício de iniciativa”. Segundo eles, apenas o governador do DF poderia sugerir esse tipo de projeto.

A alteração também infringe, segundo o grupo, uma lei do DF de 2007 que prevê audiência pública e “divulgação da matéria” antes que o nome de um endereço seja alterado. A mesma lei define que dois monumentos não podem homenagear a mesma pessoa – outra possível infração, já que o Museu Nacional de Brasília já leva o nome de Honestino Guimarães.

O pedido argumenta, ainda, que a mudança “teve como único objetivo apagar a lembrança do Presidente Costa e Silva e reduzir a importância do político na história do Brasil”, e que causou “dano moral coletivo”.

O presidente Costa e Silva governou o Brasil entre março de 1967 e agosto de 1969. O período ficou conhecido como “anos de chumbo” por causa do fortalecimento da repressão e das práticas de tortura, segundo historiadores.

O AI-5, que institucionalizava a repressão e autorizava o fechamento do Congresso e a cassação de políticos, foi editado por Costa e Silva em 1968.

Honestino Guimarães nasceu em Itaberaí, Goiás, em 1947, e mudou-se com a família para Brasília em 1960. Antes de completar 18 anos de idade, prestou vestibular para geologia na UnB e foi aprovado em primeiro lugar na classificação geral.

Ao longo da graduação e em meio ao regime ditatorial, Honestino engajou-se na política estudantil, protestando contra o governo por meio de manifestações, pichações e distribuição de panfletos. Dois meses antes de se formar, acabou expulso da universidade e foi morar clandestinamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde foi preso.

Em março de 1996, a família de Guimarães recebeu um atestado de óbito do estudante pelo Poder Judiciário do Rio de Janeiro, sem mencionar a causa da morte. A exemplo de outros mortos na ditadura, como Vladimir Herzog e Stuart Angel, o nome de Honestino Guimarães se tornou símbolo da resistência ao regime militar.

O caso foi um dos investigados pela Comissão Nacional da Verdade, que concluiu relatório sobre os crimes do regime militar em dezembro. O documento aponta 377 pessoas como responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Em abril de 2014, Guimarães recebeu anistia política “post mortem” e teve o atestado de óbito corrigido. O campo “causa da morte”, que estava vazio, foi preenchido com “atos de violência praticados pelo Estado.”

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