05/05/2017

O Brasil na contramão dos direitos humanos

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Por Jurema Werneck
Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil

No próximo dia 5 de maio o governo brasileiro estará nas Nações Unidas para prestar contas sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Passaram-se quase cinco anos desde que o país esteve na mesma posição. Mas agora, os destaques não são as conquistas, mas a deterioração da situação no país no que diz respeito aos compromissos assumidos internacionalmente.

Em 2012, o Brasil recebeu 170 recomendações para aprimorar suas ações em respeito aos direitos humanos. Destas, aceitou 159 integralmente, 10 parcialmente e rejeitou uma. No entanto, tem falhado gravemente não só em implementá-las como também em garantir que não haja retrocessos a direitos já conquistados. Entre os resultados desta omissão e ineficiência está o aumento da vulnerabilidade de pessoas e grupos, especialmente aquelas e aqueles que lutam em defesa do direito à terra, ao território e aos recursos naturais – como populações indígenas, quilombolas e lideranças rurais -, e de jovens negros, principais vítimas de homicídio e das condições desumanas dos presídios no Brasil.

Entre a última revisão e esta que será realizada agora, estima-se que os assassinatos no Brasil atingiram o patamar de 60 mil por ano, colocando o país no topo da lista de países onde mais se mata no mundo, de acordo com o Mapa da Violência. Sabe-se que as execuções extrajudiciais cometidas por policiais em serviço representam uma parcela significativa destas mortes, chegando a atingir percentuais de 20% e 25% nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo respectivamente em 2015.

No Rio de Janeiro, as mortes cometidas por policiais pularam de 419 em 2012 para 920 em 2016. Em 2017, os números continuam a subir. Mais uma vez no Rio de Janeiro, 182 pessoas foram mortas pela polícia nos primeiros dois meses de 2017 de acordo com dados oficiais, um aumento de 78% em relação ao mesmo período de 2016. A grande maioria dos assassinatos praticados no país – cerca de 70% – foi cometida com arma de fogo. Na contramão da gravidade desse problema, parlamentares discutem propostas para revogar o Estatuto do Desarmamento, o que facilitaria o acesso e a maior circulação destas armas.

Os dados chocantes apontam para a forte carga de traumas, doenças, desespero e dor que parcelas importantes da população têm que enfrentar, porém não parecem ter sensibilizado as autoridades que passaram pela Presidência da República e pelos governos estaduais desde 2012. Até o momento, o país não conta com um plano nacional para a redução dos homicídios, que deveria ter como foco a redução das mortes, e mais ainda, a preservação da vida de jovens negros residentes em favelas e periferias do país, que são as principais vítimas dos assassinatos; dos homicídios cometidos pela polícia; e da circulação de armas de fogo.

JUREMA
Para Jurema Werneck, Diretora Executiva da Anistia Internacional, não é possível usar as crises como justificativa para a perda ou violação de direitos humanos.

A situação no campo não é diferente. Embora as autoridades brasileiras tenham se comprometido a implementar um Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, assistimos ao desmantelamento desta iniciativa com a falta de recursos financeiros. Esta ação beneficiava diretamente lideranças rurais na adoção e articulação de medidas de proteção à vida e integridade física em decorrência de situação de risco ou ameaça.

O resultado desta omissão está no aumento da violência no campo. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra, 2016 bateu recorde em assassinatos: foram 61 mortes, o 2º pior registro em 25 anos. Em 2017, já são 19 assassinatos devido ao conflito por terra no interior do Brasil.

No sistema prisional, mortes, superlotação, tortura, maus tratos e condições insalubres permanecem a regra. De acordo com o Ministério da Justiça, no final de 2015 o sistema penitenciário nacional possuía mais de 620 mil pessoas, apesar de ter capacidade total apenas 370 mil detentos. Somente nas primeiras semanas de janeiro de 2017, mais de 120 homens foram mortos (a tiros, decapitados ou esquartejados) em prisões nos estados do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte no norte e nordeste do Brasil, como resultado de rebeliões e conflitos entre grupos criminosos.

Este cenário de retrocesso ainda foi alimentado pela crise política, econômica e institucional que dominou o país em 2016. Medidas adotadas pelo poder Executivo – como cortes de gastos em programas sociais e de direitos humanos – e projetos aprovados pelo Legislativo, como o congelamento dos gastos públicos com saúde e educação por 20 anos, sinalizam um futuro ainda mais preocupante para a situação dos direitos humanos no país. É urgente que o Brasil ponha um ponto final nos retrocessos e volte a avançar na garantia e conquista de direitos para a sua população, honrando os compromissos firmados nas Nações Unidas, diante da comunidade internacional. Não é possível usar as crises como justificativa para a perda ou violação de direitos humanos.

Artigo publicado originalmente na revista “Fórum”, em 4 de maio de 2017.

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