O Instituto Vladimir Herzog, organização sem fins lucrativos cuja missão é a defesa da democracia e a promoção de uma cultura de paz vem a público repudiar a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE): Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, editada via Decreto 10.502 no dia 30 de setembro de 2020.
A Educação, direito humano fundamental, é assumida pelo Estado brasileiro em sua Constituição Federal de 1988 a partir de, entre outros princípios, igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Da mesma forma, a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com status de Emenda Constitucional, é assumida a responsabilidade estatal pela concretização do direito das pessoas com deficiência à educação através de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e sem discriminação por motivo de deficiência.
Portanto, para garantir efetivamente o direito à educação para todos, é central a construção implicada de condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem na escola regular, a partir do rompimento de barreiras que impedem que crianças e adolescentes com deficiência usufruam de seus direitos.
Sendo responsabilidade compartilhada entre Estado, família e sociedade, cabe a todos o compromisso com o fortalecimento do sistema educacional, com as transformações necessárias para a garantia de uma educação inclusiva e a disponibilização dos recursos essenciais. Frisamos que a educação é o direito individual de cada estudante e não pode estar subordinado ao acesso a outros serviços nem às intenções de seus cuidadores. Da mesma forma, o direito à educação de crianças e adolescentes com deficiência não pode ser reduzido ao atendimento educacional especializado muito menos substituído por propostas clínicas de atendimento.
Com esse compromisso, o Instituto Vladimir Herzog, que assume como um de seus objetivos a difusão do sentido dos Direitos Humanos na sociedade brasileira, atua, por meio do projeto Respeitar é Preciso!, na perspectiva de contribuir para que profissionais da rede de educação construam relações educativas permeadas por princípios como o respeito mútuo e a valorização da diversidade, repudiando qualquer forma de violência nas interações que acontecem na escola.
Entretanto, com a publicação da Política Nacional de Educação Especial, vemos o direito de uma população sendo negado com a justificativa, escrita em seu texto, de que alguns estudantes “não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas”. Essa formulação está em completo desacordo com a perspectiva da educação inclusiva, uma vez que promove a classificação e a separação de certos sujeitos que não são vistos como capazes de aprender.
Ainda, a referida política propõe uma reestruturação que retira a transversalidade do AEE, proposto agora como substitutivo à educação regular, em seu Artigo 6º, bem como a criação de salas e instituições segregadas específicas para o atendimento desses estudantes. Entedemos tais propostas como grave discriminação por motivo de deficiência.
Por fim, vemos com muita preocupação a limitação da participação popular na elaboração de tal Decreto. Por repetidas vezes, o Ministério da Educação ignorou vozes dissonantes de movimentos civis representativos que se manifestaram contrários à alteração. O MEC desrespeita os processos legítimos de participação e ignora os avanços conquistados pelas pessoas com deficiência ao longo dos anos.
Não se pode condicionar o direito à educação a um diagnóstico, muito menos à uma demanda de normalização. É dever do Estado brasileiro a garantia de acessibilidade, adaptações razoáveis e apoio, sob o princípio de igualdade, à todas as pessoas com deficiência. Nenhuma pessoa é incapaz de estar na escola regular e é nossa responsabilidade impedir esse retrocesso. Entendemos que o Decreto 10.502 é inconstitucional, é discriminatório e viola gravemente os direitos das pessoas com deficiência.