Por Isabela Alves e Gabriela Costa
A comissão organizadora do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos definiu os homenageados de sua 43ª edição.
Neusa Maria Pereira, Alex Silveira, Abdias do Nascimento (in memoriam) e José Marques de Mello (in memoriam) foram os escolhidos para receber a homenagem pelo colegiado composto por 14 entidades ligadas à defesa dos direitos humanos.
Desde 2009, a comissão organizadora do concurso entrega o Prêmio Especial Vladimir Herzog a personalidades pelos seus relevantes serviços prestados à sociedade, pelas contribuições à imprensa e ao jornalismo em geral e pela atuação em defesa da democracia, da paz e da justiça.
Os homenageados de 2021 se juntam a Lourenço Diaféria (in memoriam), David de Moraes, Audálio Dantas, Elifas Andreato, Alberto Dines, Lúcio Flávio Pinto, Perseu Abramo (in memoriam), Marco Antônio Tavares Coelho, Raimundo Pereira, Sandra Passarinho, Rubens Paiva (in memoriam), Mino Carta, Mauro Santayana, Daniel Herz (in memoriam), Eduardo Galeano (in memoriam), Elio Gaspari, Cláudio Abramo (in memoriam), Tim Lopes (in memoriam), D. Paulo Evaristo Arns (in memoriam), Rose Nogueira, Bernardo Kucinski, Patrícia Campos Mello, Glenn Greenwald, Hermínio Sacchetta (in memoriam), Laerte, Sueli Carneiro e Luiz Gama (in memoriam).
Neusa Maria Pereira
A jornalista Neusa Maria Pereira, de 66 anos, é reconhecida pelo seu trabalho em prol da causa do movimento feminista negro no Brasil. Trabalhou como redatora no jornal Versus, veículo da imprensa alternativa que atuou entre 1975 a 1979, época em que estava em vigência a ditadura civil-militar. Seu artigo intitulado “Em defesa da dignidade das mulheres negras em uma sociedade racista” ficou famoso pela abordagem pioneira e abriu caminho para uma carreira jornalística com passagens pelos principais veículos do país.
Neusa também participou da fundação do “Fé Cega, Faca Amolada”, grupo composto por mulheres negras que promoveu o ato público realizado nas escadarias do Theatro Municipal em 1978, que marcou a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU).
“As dificuldades serviram para despertar em mim a luta contra o racismo, o sentimento de revolta contra esta opressão. Durante a ditadura, fui até fichada no DOPS por falar do feminismo afrolatino. A ditadura sempre foi racista, extremamente conservadora, e adepta da falsa ideologia da democracia racial, e quem contrariasse essa ideia, era perseguido e preso”, diz.
Atualmente, ela possui sua própria editora, chamada Abayomi, que veicula o jornal Escrita Feminina, distribuído para mulheres da periferia da cidade de São Paulo. Em 2020, foi criado em sua homenagem o Prêmio Neusa Maria de Jornalismo, que busca valorizar o jornalismo profissional feito por pessoas não brancas e por pessoas trans.
Alex Silveira
Em 2000, o fotógrafo Alex Silveira perdeu seu principal instrumento de trabalho – a visão, quando foi atingido por uma bala de borracha disparada pela PM, enquanto cobria uma manifestação de professores para o jornal Agora. Desde então, ele se tornou um símbolo da luta de diversos profissionais que passaram por situações semelhantes e lutam por condições mais seguras para o exercício de seus trabalhos, além de defenderem a liberdade de expressão. Não apenas as dificuldades decorrentes da perda da visão, como a impossibilidade de dirigir, mas principalmente a espera por justiça marcaram esse processo de resistência.
Em 2014, o Tribunal de Justiça de São Paulo concluiu que Silveira era o responsável pelo próprio ferimento, porque estava se colocando em uma situação perigosa. Apenas em 2021, após entrar com um recurso dois anos antes, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu a decisão do colegiado paulista e decidiu que o poder público deveria indenizar o jornalista. “Posso dizer que 20 anos de espera, e ainda sendo culpado, foram mais sofridos do que o próprio tiro”, conta o fotógrafo.
Há muitos jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos em situações parecidas com as de Silveira e, por isso, a homenagem a ele é também um reconhecimento a luta de muitas outras pessoas. “Sei que sou somente a personalização do mérito de todos, de uma luta conjunta, mas me deixa muito feliz e honrado ser reconhecido pelo prêmio Vladimir Herzog. Não quero ver mais ninguém passando por tanto tempo pelo que passei, não é justo, não é humano”, disse Silveira.
Abdias do Nascimento
Abdias do Nascimento (1914-2011) foi um ativista dos direitos civis e humanos das populações negras do Brasil, poeta, escritor, dramaturgo e artista plástico. Foi um dos mais influentes e importantes militantes na luta contra a discriminação social e pela valorização da cultura negra do país.
Em 1936, Abdias foi membro da Ação Integralista Brasileira, organização na qual atuou como jornalista. Foi o fundador de diversas instituições pioneiras no Brasil, como o Teatro Experimental Negro (TEN), o Museu da Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Em 1978, foi um dos co-fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU).
Abdias Nascimento recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da Universidade Federal da Bahia, da Universidade de Brasília, da Universidade do Estado da Bahia, e da Universidade Obafemi Awolowo em Ilé-Ifé, Nigéria. Ao longo de sua trajetória, conquistou diversos outros prêmios, sendo indicado, inclusive, ao Prêmio Nobel da Paz pela sua dedicação à luta anti-racista em 2010. Faleceu em 2011, aos 97 anos.
José Marques de Melo
O professor José Marques de Melo (1943-2018) foi – e ainda é – uma das principais referências nos estudos acadêmicos da área da comunicação no Brasil. Além de ser o primeiro doutor em jornalismo por uma universidade brasileira, possui mais de 173 livros publicados, editados ou organizados por ele.
Também é um dos principais fundadores de diversos setores importantes do jornalismo dentro de universidades, como o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Centro de Pesquisas da Comunicação Social da Faculdade Cásper Líbero e participou da criação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Sua cátedra foi interrompida por um período durante o regime militar, no qual foi sumariamente afastado de suas funções acadêmicas. Voltou a lecionar em universidades públicas apenas em 1979, quando foi anistiado. José Marques de Melo faleceu em 2018, aos 75 anos, por conta de um infarto fulminante, deixando um legado de resistência, educação e pioneirismo.
A cerimônia de entrega dos troféus do 43º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos ocorrerá no dia 25 de outubro em ambiente virtual. Para saber mais, fique ligado nas redes sociais do Instituto Vladimir Herzog, do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos ou acesse o site: www.premiovladimirherzog.org.br.