Evento promovido por Instituto Vladimir Herzog e Instituto Sedes Sapientiae propôs abordagem do sofrimento na escola para além de laudos e diagnósticos de saúde
Diante do crescimento das manifestações de sofrimento no contexto escolar, o que a educação pode fazer dentro de seu campo de atuação? Em torno da questão, o Instituto Vladimir Herzog e o Instituto Sedes Sapientiae realizaram na terça-feira 26/11, em São Paulo, o evento “Educação em direitos humanos: Diálogos sobre convivência escolar e saúde mental”. Participaram Adela Gueller, Christian Dunker – psicanalistas e professores – e a pedagoga Ana Paula Masella, com mediação da pedagoga Crislei Custódio.
Durante o diálogo, foi bastante destacada a potência da convivência escolar como espaço de escuta e coletividade. Para participantes, o papel da escola na abordagem da produção social do sofrimento não se limita a fazer encaminhamentos de estudantes a serviços de saúde. Sem desconsiderar a importância de tais tratamentos individuais, os/as convidados/as chamaram atenção para as possibilidades da escola se pensar de forma coletiva, abordando o que chamaram de “tratamento social do sofrimento”.
Efeito “despatalogizador”
Em sua participação, a psicanalista e professora Adela Gueller destacou relatório recém-publicado pelo Instituto Vladimir Herzog que apresenta pesquisa com diferentes sujeitos do ambiente escolar e suas percepções sobre o sofrimento na escola. “Me parece uma questão fundamental o efeito despatologizador colocado por esta pesquisa. Ao propor um tempo de reflexão, a lógica que conduzia a pesquisa suspendia um diagnóstico imediato e colocava como prioritário um pensamento coletivo”, apresentou a doutora em Psicologia Clínica.
Para a psicanalista, é importante pensar na convivência e nas relações com o outro, pois o sofrimento possui dimensões individuais e sociais. No ambiente escolar, é preciso lidar com diferentes violências, discriminações que requerem mediação dos educadores num processo contínuo de elaboração que, segundo Gueller, deve vir antes dos encaminhamentos.
“A escola é um dispositivo fundamental para curar de alguma maneira a solidão. Dispositivo de convivência, de aprendizado, de respeito, de pertencimento, como coloca a pesquisa conduzida pelo Instituto Vladimir Herzog. Esses valores não vem dados, eles precisam ser construídos”, afirmou Gueller, reforçando a importância de práticas de escuta e respeito por todos os adultos da escola.
Tempo para escuta
No diálogo, o psicanalista e professor Christian Dunker também considerou fundamental uma abertura para o que chamou de tratamento da produção social do sofrimento e que passa por uma atitude de escuta ativa. Ele acredita que haja um discurso atual que burocratiza a saúde mental, relacionando-a apenas a diagnósticos de transtornos, o que faz parecer com que a escola não deva se implicar com ela para além de encaminhamentos a outros departamentos. “Isso é fechar os olhos para o fato de que, antes de ter um transtorno mental, as pessoas estão sofrendo”, afirmou.
O psicanalista conclui, portanto: “A escola tem uma relação com aquilo que não é o distúrbio. Com o que acontece antes da depressão, da ansiedade, do autismo. A gente está propondo olhar para o que vem antes do transtorno, que é o sofrimento”.
Para isso, Dunker considera fundamental que haja tempo e espaço de escuta no cotidiano escolar por todos os sujeitos que compõem a comunidade, não necessariamente por especialistas. A escuta e o reconhecimento do sofrimento do outro é capaz de alterá-lo, explica o psicanalista, que defende uma política de escuta, com tempo e espaço para isso no cotidiano escolar.
Na prática
Enquanto psicopedagoga institucional no Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (NAAPA), da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a pedagoga Ana Paula Masella reforçou uma compreensão sobre educação inclusiva, que, segundo ela, traz o olhar para cada estudante e educador/a como sujeito de direito, promovendo escuta ativa no cotidiano: “Na escola, trabalhamos o coletivo na perspectiva de que cada pessoa precisa ser vista como um sujeito de direito, como um protagonista. E só me vejo sujeito quando o outro me vê”.
Ela citou algumas ações da rede municipal paulistana que possuem essa perspectiva, como imprensa jovem, grêmios escolares e premiações que reconhecem atuação de educadores/as em direitos humanos. Além disso, há o Currículo da Cidade que traz no bojo a equidade e a garantia de direitos.
Pesquisa conduzida pelo Instituto Vladimir Herzog
Para finalizar o diálogo, a doutora em Educação Crislei Custódio, do Instituto Vladimir Herzog, apresentou algumas informações do relatório “Educação em direitos humanos: convivência escolar e saúde mental”, publicado em novembro a partir de pesquisa na Rede Municipal de Ensino de São Paulo: “O que ficou evidente é que a escola parece com a imagem de um arquipélago, havendo dificuldades de cada grupo – estudantes, famílias, professores/as, funcionários/as – identificar o sofrimento dos demais e suas causas”. Ela apontou potencialidades da escola para superar esta barreira, do ponto de vista da educação em direitos humanos, e convidou a todos a conhecer o relatório.