Dando sequência à série de entrevistas realizadas pela newsletter Jornalistas&Cia com os vencedores da 8ª edição do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, a equipe da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) conta a experiência que tiveram.
Em sequência à série com os vencedores da edição 2016, Jornalistas&Cia conversou com mais uma equipe contemplada pelo prêmio, também oriunda do Rio Grande do Sul, a exemplo da entrevistada na edição 1.100. Uma reportagem densa, multiplataforma, desenvolvida em uma comunidade carente em Porto Alegre foi o resultado da experiência de Amanda Iegli, Caroline Musskopf e Ângelo Neckel, da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
A pauta proposta pelo trio de alunos – sob orientação do professor Deivison Campos – foi a situação vivida especialmente pelas mulheres da Vila Tio Zeca, localizada no bairro Farrapos. Assim nasceu Mulheres da Tio Zeca: políticas públicas de prevenção ao zika vírus em Porto Alegre (RS).
“Eu nunca tinha visto de perto um lugar como a Vila Tio Zeca. Me custava imaginar que existiam lugares em Porto Alegre sem saneamento básico e com casas tão precárias”, conta Amanda.
Confira a entrevista completa:
Desafios da reportagem
Ângelo: O principal desafio se impôs em função do surto da doença ser muito recente e da falta de informações definitivas sobre os impactos dela. Isso nos motivou principalmente pelo exercício constante de apuração do material que caía nas nossas mãos e que suscitava dúvidas. Foi excelente, pois um dos fatores que move um bom trabalho é a necessidade de fazer perguntas, em detrimento de caminhos pré-concebidos.
Caroline: O primeiro momento de ir até a Vila Tio Zeca foi um pouco complicado. Nós sabíamos, por meio dos boletins epidemiológicos da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde (CGVS), que precisávamos conversar com os moradores daquela região para chegar até o local específico do surto de zika, mas ficamos receosos com a recepção que teríamos, se as pessoas aceitariam falar com a gente. Também não foi fácil para mim saber o que cortar das falas, por achar que tudo que estava sendo dito deveria ser ouvido.
Amanda: Achei muito difícil executar o trabalho de marcar entrevistas e falar com órgãos oficiais sendo apenas estudante de jornalismo, sem estar vinculada a uma grande emissora. O Jornalismo pode ser apenas informativo, mas pode ser extremamente esclarecedor. Pode traduzir dados que, se vistos individualmente, não significariam nada. Pode dar voz a pessoas que precisam ser ouvidas, mas são diariamente ignoradas. Além de poder fomentar vários debates importantes, como sobre o racismo e a desigualdade de gênero. As questões políticas, econômicas e sociais só estão tão presentes no nosso dia a dia porque existem jornalistas e comunicadores que direcionam esses assuntos. Mesmo agora, com as redes sociais e com a quantidade absurda de informação disponível, a sociedade ainda precisa de filtros e mediadores. Ao meu ver, existem várias possibilidades nesse sentido.
Amanda: Inicialmente, eu queria História. Continuei no curso por influência do Deivison, que além de ser professor é coordenador do curso. Acabei me apaixonando por Jornalismo a partir do terceiro semestre. Acredito que o trabalho do jornalista seja muito importante para que as pessoas tenham informações suficientes para questionar o que está acontecendo.
Expectativas e mercado de trabalho
Ângelo: O mercado jornalístico passa por uma crise econômica e as condições de trabalho são precárias. As exigências de um profissional multimídia não resultam em maior valorização da categoria. No entanto, estar adaptado a novas tecnologias e demandas da área é um dos poucos caminhos possíveis para quem quiser permanecer na profissão, sem contar a necessidade de ceder aos discursos de “empreendimento de si”. Mesmo que haja cada vez mais áreas de atuação no Jornalismo, as oportunidades são para poucos. Sonho com uma profissão valorizada, com remuneração digna e que deixe o ranking das mais perigosas, para, então, ter ainda mais condições de contribuir de maneira eficaz para a democracia.
A escolha do Jornalismo
Ângelo: Na minha infância e adolescência, fui fanático por futebol e gostava de acompanhar outros esportes. Por isso, passava o dia todo ouvindo rádio à procura de programas de jornalismo esportivo. No intervalo entre um e outro, acompanhava os noticiários. Esse contato desde cedo com Jornalismo me ajudou a decidir pela profissão. O bom Jornalismo é essencial para a divulgação de informações precisas, que afetam a vida em sociedade, e para dar voz de maneira equânime a diversos atores sociais. Sem o cumprimento dessas práticas, informações incorretas e imprecisas disseminam-se sem oposição e condutas nocivas à democracia ficam com o caminho livre sem a vigilância exercida pelo Jornalismo e, consequentemente, por boa parte da população.
Caroline: Sempre vi no diálogo e no debate uma oportunidade de construir uma sociedade mais colaborativa. Tento não
romantizar a profissão, mas não posso negar que ainda tenho a esperança de fazer uma reportagem que faça a diferença na vida de alguém que não costuma ser ouvido por muitas pessoas. Em parte, acho que foi o que nós fizemos lá na Vila Tio Zeca. Estamos passando por um momento bem complicado. Mesmo assim, acredito que é uma fase inevitável que mostra como o jornalismo brasileiro está atrasado e precisa se reinventar. Isso não diz respeito apenas às tecnologias, mas ao modo de fazer Jornalismo. Esse que não checa as informações antes de publicar, porque valoriza mais a rapidez do que a qualidade. Acredito que as pessoas não caem mais nessa. Para quem quer as informações brutas, o jornalista não é necessário. É isso que os profissionais precisam entender. A minha expectativa é que até eu me formar no curso os veículos tenham conseguido se adaptar melhor a essa cultura da convergência e que eu consiga seguir trabalhando na minha área, sem passar por tanto sufoco quanto os meus colegas que estão se formando agora. Meu maior sonho como jornalista é ajudar, mesmo que minimamente, a diminuir a desigualdade no acesso às informações. A realidade é que mais de 40% da população brasileira não têm acesso a internet e 55% dos brasileiros acham que o Facebook é a internet. Quero, com o meu trabalho, falar com essas pessoas e trazer à tona questões relevantes.
Amanda: Acho que sempre há espaço para aqueles que têm interesse em fazer um trabalho inovador e de qualidade. A internet quebra barreiras e nos deixa mais próximos do público. Acho que vivemos num momento de adaptação no Jornalismo. Creio que as coisas não serão tão ruins quanto alguns dizem. Acredito que, com o tempo, as pessoas voltem a dar valor para o Jornalismo e para os jornalistas, já que todos estão cansados de informações falsas na internet, e têm surgido novos grupos que fazem um trabalho bacana, sem estar vinculado a nenhuma grande emissora. Quero trabalhar muito com reportagem por um bom tempo. Mais para a frente, talvez, trabalhar com documentário. Porém, ainda não sei muito bem o que vai acontecer. Quanto mais eu leio, mais opções aparecem.
Sobre o 9º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão
De 8 de maio a 19 de junho de 2017, estudantes de jornalismo de todo o país poderão inscrever propostas de pauta no 9º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão – uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog para estimular o processo jornalístico entre futuros profissionais. Autores das dez melhores pautas terão a oportunidade de contar com o apoio de grandes nomes do jornalismo brasileiro como mentores para a produção das suas matérias.
Nesta edição, os trabalhos deverão abordar como tema “Sob a ponta do iceberg: revelando a violência contra as mulheres que ninguém vê”. As inscrições serão aceitas no site www.jovemjornalista.org.br e o processo permite inscrição individual ou em equipes de até três estudantes por pauta. Para se inscrever, clique aqui.