Fotos: Alice Vergueiro
No dia 23 de maio, centenas de educadores da Rede Municipal de Ensino de São Paulo se reuniram no 4º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflitos para refletir sobre práticas que envolvem a Educação em Direitos Humanos e a mediação de conflitos no contexto escolar, especialmente o papel da escola na promoção da saúde emocional. O evento integrador aconteceu no Sesc Pinheiros e faz parte das ações do projeto Respeitar é Preciso!, desenvolvido pela parceria entre Instituto Vladimir Herzog e Secretaria Municipal de Educação.
Ambiente escolar, espaço de diálogo
Para abrir o Grande Encontro, estiveram presentes o Secretário Municipal de Educação Fernando Padula, o Diretor Executivo do Instituto Vladimir Herzog Rogério Sottili e a coordenadora da Coordenadoria dos Centros Educacionais Unificados (COCEU) Roseli Marcelli. Eles lembraram do contexto recente de ameaças e violências contra escolas e ressaltaram, principalmente diante deste cenário, a importância de fortalecer as instâncias participativas das Unidades Educacionais, como Grêmios Estudantis e Comissões de Mediação de Conflitos.
Para Padula, é fundamental que a escola seja reconhecida como espaço seguro e de diálogo. Ter uma cultura de paz fortalecida não significa ausência de divergências, pontuou, mas sim a presença de respeito mútuo e formação de sujeitos críticos e autônomos, com seu direito de aprendizagem garantido. Sottili fez sua fala no mesmo sentido. “Estamos aqui hoje para valorizar a escola como espaço de liberdade, de diversidade, de trocas e de diálogo, onde todos possam aprender a exercer cidadania”, saudou.
As Comissões de Mediação de Conflito, criadas em 2015 e presentes em cada Unidade Educacional da rede, são compostas por membros da própria comunidade escolar e atuam na compreensão dos conflitos existentes, disseminando a cultura de mediação entre todas as pessoas da comunidade.
Importância da escuta
O 4º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflitos recebeu a escritora, apresentadora e psicanalista Elisama Santos para uma palestra sobre escuta ativa. A autora de livros como “Educação não violenta” e “Por que gritamos” explicou como a curiosidade pelo outro e a disponibilidade são essenciais para possibilitar uma escuta real no ambiente escolar, o que colabora para relações de respeito e de saúde emocional. Assim, todos podem ter espaço para suas subjetividades, sentimentos, conhecimentos e opiniões: “Escutar é dar espaço, e com isso o outro ganha espaço para poder definir os próprios contornos”.
Escutar não é sobre formular uma resposta certa, seguiu a palestrante, mas sim sobre ter interesse por entender como a outra pessoa percebe as situações a partir do ponto de vista dela. Segundo Elisama Santos, existe um padrão que entende diferenças como ameaça, e isso também precisa ser rompido para que a escuta aconteça. “O ponto é: O que eu faço com o que é diferente, com o que eu não entendo? Com o que diverge do meu pensamento, da minha forma de ver a vida? A escola deveria acolher as diferenças”.
Saúde emocional e pertencimento
Quando se fala em educação, é importante ter um olhar coletivo para a saúde emocional. Esse foi um tema central da mesa “Educação em Direitos Humanos e promoção da saúde emocional na escola”, com participação das psicanalistas Ilana Katz e Fê Lopes, mediada por Crislei Custódio, doutora em Educação e coordenadora educacional do Instituto Vladimir Herzog.
“Há algo que é próprio da escola na compreensão e no enfrentamento dos problemas de sofrimento psíquicos, cada vez mais frequentes na sociedade e, por consequência, no ambiente escolar”, apresentou Custódio.
A doutora em Educação e mestre em Psicologia Ilana Katz sugeriu que se pense em fatores de produção do sofrimento a partir da organização social, formas de discriminação e de exclusão da sociedade. Assim, o combate à exclusão se daria por meio da luta por acesso à direitos e pela construção de pertencimento. “Se a gente está dizendo que a negligência e a exclusão produzem sofrimento, a gente vai precisar pensar que cuidar e tratar do sofrimento é construir pertencimento”, concluiu.
Ao olhar para a experiência de sofrimento como experiência de despertencimento, Katz defende que o convívio faça parte do currículo escolar. Isso é, em suas palavras, “criar condições para implementação de um currículo antirracista e anticapacitista em toda sua potência na particularidade territorial de cada escola”.
A psicóloga Fê Lopes chamou atenção para como o pertencimento é produzido a partir de sentimentos, sensações e conexões por meio de vivências partilhadas, e não por imposição. Assim, ela entende que um grande desafio posto aos educadores é como cumprir seu papel de transmitir repertórios acumulados sem assumir uma perspectiva de dominação.
Nesse sentido, a psicanalista ressaltou a importância de se enxergar a diferença com alteridade, sem querer eliminar ou colonizar o outro a partir da própria visão de mundo. “Essa postura afasta as pessoas, faz com que se sintam inadequadas, sem nada para oferecer para a construção do conhecimento. Se nada do repertório dela serve, como vai incorporar o que está aprendendo? Vocês percebem que essa postura não abre espaço pra gente se afetar?”
Lopes pontuou que produzir pertencimento não é exigir que todas as pessoas do ambiente escolar se amem, mas sim que se ouçam. E que possam “produzir sentido a partir do seu sentir”.
Após rodadas de perguntas de educadoras e educadores presentes, Crislei Custódio finalizou a mesa redonda trazendo o conceito de “desenraizamento” do mundo, segundo ela um fenômeno causado pelo foco da sociedade atual na produtividade e no individualismo. Por outro lado, a escola pode contribuir para que o sujeito se entenda no tempo e no espaço, reconhecendo sua identidade e fazendo parte da história.
Para fechar o Grande Encontro, fizeram uma saudação final Rogério Gonçalves, diretor da Divisão de Gestão Democrática e Programas Intersecretariais da SME, e Hamilton Harley, coordenador executivo de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog. Eles enalteceram a atuação coletiva das Comissões de Mediação de Conflitos nas Unidades Educacionais e nas Diretorias Regionais de Ensino para a construção de uma cultura de respeito e pertencimento, incentivando que as discussões do dia reverberem no cotidiano de cada território.
