10/09/2020

Brasileiro Átila Rohrsetzer será julgado na Itália em 11/9 por crimes da ditadura militar

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Processo italiano pode ser o primeiro a condenar em última instância um brasileiro pelos crimes cometidos durante a ditadura militar 


Um processo na Itália pode ser o primeiro a condenar em última instância um brasileiro pelos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). O caso iniciado em 2016 julga Átila Rohrsetzer por participação no sequestro, tortura, assassinato e ocultação de cadáver do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Ismael Viñas Gigli em 1980, na fronteira de Paso de los Libres (Argentina) e Uruguaiana (Brasil). Rohrsetzer, à época diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul, pode ser condenado à prisão perpétua. A próxima audiência acontece amanhã, sexta-feira, 11 de setembro. Cabe ressaltar que não existem condenações no Brasil em relação aos crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura, a partir de uma interpretação equivocada da Lei de Anistia, que na prática tem servido à impunidade no país. Em sua luta por justiça para as vítimas de graves violações de direitos humanos, o IVH acompanha com atenção o julgamento e as possibilidades de desdobramento para a justiça brasileira.

 

  • SOBRE O PROCESSO

O processo é desdobramento de um julgamento maior, envolvendo casos da Operação Condor – acordo político-militar de colaboração entre ditaduras latino-americanas para repressão e tortura sistemática, desenvolvido no contexto da Guerra Fria.  O processo principal, aceito pela Justiça italiana em 2007, investigou os crimes cometidos por agentes de ditaduras do Cone Sul contra cidadãos ítalo latino-americanos entre 1973 e 1980 a partir de denúncias de parentes de vítimas. Foram denunciadas 146 pessoas, incluindo quatro brasileiros. 33 tornaram-se réus. Oito ex-presidentes e militares sul-americanos foram condenados à prisão perpétua por assassinato. A denúncia contra agentes militares brasileiros levou à abertura de outro processo cuja sentença pode ser conhecida ainda este mês.

Quatro brasileiros foram acusados do assassinato do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Vinãs Gigli, cometido no âmbito da Operação Condor: João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi, Átila Rohrsetzer e Marco Aurélio da Silva Reis. Todos integravam o aparato repressivo brasileiro.  Como Job, Ponzi e Silva Reis morreram durante o andamento do processo, Rohrsetzer tornou-se o único réu.

 

  • SOBRE O CASO

Lorenzo Ismael Viñas foi estudante de Ciências Sociais em Buenos Aires, na Argentina, onde ingressou no movimento estudantil em 1969. Em 1970, aderiu à Juventude Universitária Peronista (JUP). Em 1974, recém-casado com Claudia Olga Ramona Allegrini, esteve preso por nove meses no Presídio Villa Devoto, na capital argentina. Depois de libertado, mudou-se com a mulher para o México e, em seguida, para o Brasil. Voltou à Argentina em 1979 onde, em maio do ano seguinte, nasceu a única filha do casal.

Segundo a denúncia, diante das perseguições políticas o casal decidiu mudar-se para a Itália. Durante viagem rodoviária, em junho de 1980, Lorenzo Viñas foi interceptado na fronteira entre Argentina e Brasil, entre as cidades de Paso de Los Libres e Uruguaiana. O militante montonero desapareceu em 26 de junho de 1980, aos 25 anos, na região de Uruguaiana (RS). Nunca mais foi visto.

A última pessoa a encontrá-lo com vida, Silvia Noemi Tolchinsky, depôs em 2018 perante a Justiça italiana. Segundo a testemunha, ela e Viñas estiveram presos no centro clandestino de detenção do Campo de Mayo, propriedade do Exército argentino localizada na grande Buenos Aires. Em seu depoimento, relatou que Viñas lhe disse que estava preso há mais de 90 dias. Com ele estava a foto de sua filha, nascida 20 dias antes de seu sequestro. O Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela prisão e tortura de Viñas em 2 de agosto de 2005 em sessão na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).  O caso também consta do Dossiê Ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985), elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (2009, 2ª ed.) e foi denunciado pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep) da Argentina por meio do registro de nº 992. No Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em 2014, o nome de Rohrsetzer aparece relacionado à vítima.

 

  • SOBRE O ACUSADO

Átila Rohrsetzer é citado três vezes no volume 1 do Relatório Final da CNV.  Militar do Rio Grande do Sul, hoje residente em Florianópolis (SC), foi apontado como integrante do comando de uma série de aparelhos da estrutura repressiva da ditadura militar brasileira, entre eles o serviço de informações do Comando do III Exército (1967-1969); a Divisão Central de Informações (DCI), órgão com funções equivalentes ao Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que atuava em parceria com as áreas de segurança e informações do III Exército (1970-1971); e o próprio DOI-CODI do III Exército (1974-1975).

O Relatório Final da CNV, elaborado a partir do relato de vítimas e testemunhas de graves violações de direitos humanos, além de pesquisa documental, relaciona Átila Rohrsetzer a crimes cometidos contra pelo menos oito pessoas, entre elas dois cidadãos ítalo-argentinos: Horacio Domingo Campiglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Viñas Gigli. 

O brasileiro será julgado no próximo dia 11 de setembro pela justiça italiana por participação no sequestro, tortura, assassinato e ocultação de cadáver de Lorenzo Viñas durante a ditadura militar brasileira e pode ser condenado à prisão perpétua. À época do crime, o réu Átila Rohrsetzer era diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul. 

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