26/10/2022

Vencedores do Prêmio Jovem Jornalista revelam os desafios da reportagem

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Terra Grita por Vida (1)
Foto: Bruna de Souza Santos
Vozes Amazônidas
Foto: Ana Vitória Monteiro Gouvêa, Jambu Freitas Ataíde dos Santos e Leandra Lima de Souza
Cultivo Nocivo 2
Foto: Mayala Tereza Fernandes, Lucas Daniel de Lima e Izabela Morvan da Silveira
Lama-ao-Caos (3)
Foto: Carina Barros Lins, Paulo Leandro Mota do Nascimento e Gabriela da Silva de Andrade

Por Gabriela Costa e Isabela Alves

Em 2022, o Instituto Vladimir Herzog promoveu a 14ª edição do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão. Neste ano, a iniciativa recebeu 120 inscrições e quatro propostas foram contempladas.

Sob o tema “Os gritos que o mundo dá e que o jornalismo precisa ouvir”, foram selecionadas pautas com temas relacionados aos desdobramentos da emergência climática, da pandemia e dos ataques à democracia. São elas: 

  • A terra que grita por vida, da estudante Bruna de Souza Santos, da Universidade Federal do Cariri (CE);
  • Vozes amazônidas, dos estudantes Ana Vitória Monteiro Gouvêa, Jambu Freitas Ataíde dos Santos e Leandra Lima de Souza, da Universidade Federal do Pará (PA);
  • Da lama ao caos: a dor que não tem nome – mas tem cor – e a tragédia anunciada das mudanças climáticas em Pernambuco, dos estudantes Carina Barros Lins, Paulo Leandro Mota do Nascimento e Gabriela da Silva de Andrade, da Universidade Federal de Pernambuco (PE);
  • Cultivo Nocivo – trabalhadores rurais da região Centro-Sul do Paraná sofrem com intoxicações por agrotóxicos que se refletem em urgência na saúde pública, dos estudantes Mayala Tereza Fernandes, Lucas Daniel de Lima e Izabela Morvan da Silveira, da Universidade Federal do Paraná (PR). 

Desafios na produção

A distância para chegar aos personagens foi um dos grandes desafios para a conclusão da reportagem no podcast “A terra que grita por vida”, de Bruna de Souza Santos. Moradora de Juazeiro do Norte, ela teve que se deslocar até Santa Quitéria, uma das cidades com maior extensão territorial no Ceará. 

“Para chegar lá, tive que ir para Fortaleza e pegar outro ônibus. Foram 16 horas de viagem. Eu estava sozinha e com medo de não achar o lugar, porque o celular não tinha área de internet por conta do sinal. Foi uma experiência muito legal, mas minha maior dificuldade foi chegar até as fontes”, conta. 

Ela destinou grande parte do recurso da bolsa para as passagens e para a alimentação durante o trajeto. Durante a apuração, o que mais a marcou foram as visitas nos assentamentos das queimadas onde 28 famílias vivem.

“Tem muita gente com câncer e suspeitam que é por conta da Usina. São histórias bem parecidas e que chamam a atenção. Eles trabalharam tanto para construir aquele assentamento que levaram 20 anos para pagar e agora não sabem se aquele local vai prosperar por mais tempo”, relata. 

A reportagem abordou a implementação da exploração da Jazida de Itataia, projeto para 2023 que chega com a promessa de desenvolvimento e geração de empregos para a região, mas quais são os possíveis impactos ambientais e de contaminação da população. Para ela, os jornalistas não podem se anestesiar diante destes casos de vulnerabilidade. “Tem que se indignar e não só informar”, observa. 

Para o grupo do documentário “Cultivo Nocivo”, falar sobre o agrotóxico sempre foi uma prioridade, já que o Paraná é um estado majoritariamente rural. 

Antes mesmo de aplicar a proposta, o grupo formado pelos estudantes Mayala Tereza Fernandes, Lucas Daniel de Lima e Izabela Morvan da Silveira já entraram em contato com diversos especialistas para entender mais sobre o tema e a gravidade do cenário. “Com a apuração, a gente acabou criando alguns recortes dentro do próprio tema, como a questão de gênero e de saúde”, relata Mayala. 

O aporte financeiro foi destinado principalmente para bancar os custos com as viagens e comprar alguns equipamentos. Durante o processo, eles precisaram se reinventar para encontrar os personagens. Com o fim da apuração, os estudantes se perguntaram sobre quantas outras pautas como esta estão invisíveis, porque as grandes mídias não cobrem. 

“A gente ficou até pensando: ‘quando a gente vai voltar?’. Ficamos pensando que talvez se a gente não fosse lá, ninguém nunca saberia das histórias e agora temos essa oportunidade de trazer à tona”, completa. 

A mesma sensação foi compartilhada pelo grupo dono da pauta “Vozes Amazônidas”. “Quando entrevistamos uma pessoa, dava para ver que ela espera do seu trabalho mais do que só a matéria. Ela vê propósito naquilo, acredita que vai ser importante”, conta Jambu Freitas.

Os estudantes estão produzindo uma pauta sobre o município de Barcarena, no Pará, e as famílias que estão sendo prejudicadas por conta da presença de empresas de mineração. A gravação do documentário fez os jovens jornalistas questionarem sua própria posição social.

“Apesar de viver numa periferia, eu tenho uma casa, eu tenho um papel em que está escrito que ninguém pode me tirar dali. Essa casa é minha. Os nossos entrevistados saíram do lugar que era seu porque aquele espaço ia ser apropriado por uma empresa em busca de lucros.”, conta Leandra Lima.

Ana Vitória Gouvêa também observa sobre a situação: “Entrar nessas casas foi ver como essas pessoas perderam a esperança de viver no local em que nasceram, cresceram e pretendiam morrer.”

A relação com essas companhias, inclusive, dificultou a apuração do grupo na região. “É complicado o contato com pesquisadores que estão dispostos a falar sobre a entrada dessas grandes empresas em Barcarena. Os especialistas sofrem muita pressão, dependemos muito daqueles que querem falar a verdade”, finaliza.

A produção da reportagem sendo dificultada por questões humanas também afetou o grupo da pauta “Da lama ao caos”, que grava um documentário sobre a tragédia causada pelas chuvas em Pernambuco. “Passamos o trabalho inteiro lidando com o luto e aprendemos a ouvir. Quando as pessoas querem falar é muito intenso. Mas quando elas choravam durante a entrevista, a gente respeitava aquele silêncio. Os relatos são muito fortes.”, explica Carina Barros.

Os estudantes da Universidade Federal de Pernambuco entrevistaram os moradores que perderam suas casas e, inclusive, visitaram os terrenos que foram soterrados. “Parecia um cenário de guerra”, diz Gabriela da Silva.

Conseguir essas filmagens, por si só, já foi um desafio. “A gente teve que contar com os alunos de cinema e de rádio da universidade, que se voluntariaram para ajudar a gravar. Por sorte, eles tinham todo o equipamento, colocamos tudo em dois carros de aplicativo e fomos. Tivemos que fazer tudo nos finais de semana, porque era o único dia que não tínhamos aula ou estágio”, conta Paulo Leandro Mota.

Diversidade na premiação

Para Giuliano Galli, coordenador de Jornalismo e Liberdade de Expressão, a principal proposta do prêmio é fazer com que os estudantes de jornalismo tenham a experiência de fazer “o jornalismo de verdade”. Isso porque durante a graduação, os alunos têm contato com a prática através do Jornal Laboratório, porém ainda é uma atuação tímida. 

“O prêmio propõe que esses estudantes tenham a experiência de produzir um produto jornalístico da forma como ele é feito nas redações profissionais. O jornalismo tem essa característica de que os estudantes entram no mercado de trabalho muito cedo, então a gente entende que isso é algo importante deles terem familiaridade”, relata. 

Galli também aponta que é uma oportunidade de convívio dos estudantes com os participantes de outros estados. No dia 25 de outubro, os estudantes participaram da Roda de Conversa do Prêmio Vladimir Herzog, que propõe uma troca de experiências sobre o fazer jornalístico. 

“Nesse ano, veio com muita força a questão ambiental e não só a questão de exploração ilegal e irregular de recursos naturais, mas como isso tem impacto na vida dos cidadãos. O jovem jornalista tem a capacidade de contar o que está acontecendo no Brasil inteiro e acho que isso é uma das riquezas deste projeto”. 

Neste ano, o Prêmio Jovem Jornalista estabeleceu como prioridade premiar 50% dos grupos que tivessem entre seus membros integrantes beneficiados por alguma política de democratização do acesso às instituições de ensino superior. Apesar de ter firmado esse compromisso, o número de estudantes premiados que tenham sido beneficiados por essas políticas foi praticamente o mesmo número de estudantes que não foram. 

Galli observa que esse aumento da diversidade é um reflexo das políticas implementadas durante os governos dos presidentes Lula (2003 – 2006 e 2007 – 2011) e Dilma (2011 – 2014 e 2015 a 2016). “Eles tiveram essa preocupação de garantir o acesso da população preta, pobre e periférica nas universidades brasileiras”, ressalta. 

O Prêmio Jovem Jornalista conta com o apoio Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Oboré Projetos Especiais, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), Periferia em Movimento, além do patrocínio do Google News Initiative.

Confira as fotos da audição pública do Prêmio

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