Filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 pela ditadura, o conselheiro do Instituto Vladimir Herzog, Ivo Herzog, classificou como “absolutamente inapropriada” qualquer comparação do julgamento do caso de seu pai com a sentença do juiz Sergio Moro que condenou o ex-presidente Lula a quase 10 anos de prisão.
A comparação foi feita pelo desembargador Thompson Flores, presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), corte que analisará o recurso do petista. Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Flores disse que a sentença de Moro é “irretocável”. “Comparo a importância dessa sentença para a história do Brasil à sentença que o juiz Márcio Moraes proferiu no caso Herzog, sem nenhuma comparação com o momento político. É uma sentença que vai entrar para a história.”
Herzog foi torturado e assassinado em 1975 nas dependências de um órgão subordinado ao Exército. Para camuflar o crime, autoridades forjaram uma cena de suicídio. O caso ganhou dimensão e impulsionou a luta pela redemocratização. Em 1978, antes da lei da anistia e durante o governo Geisel, ao analisar processo movido pela família do jornalista, o juiz Márcio Moraes condenou a União pelo assassinato. À época, ainda estava em vigor o Ato Institucional número 5, que permitia ao presidente aposentar um juiz por decreto.
Ivo Herzog lembra que o Estado, convencido de que seria condenado, manobrou para tirar a ação do juiz originalmente designado. Foi assim que o caso caiu nas mãos de Moraes. “Acreditavam que um cara no início de carreira não iria ter a coragem de dar uma sentença contra o Estado”, afirma. “A sentença do Herzog vai contra uma política de governo, contra a política do Estado vigente. A do Moro está em linha com os desejos do atual governo. Então não existe a questão de ter coragem de dar. Na realidade, torna-se muito conveniente condenar o Lula no atual momento político do Brasil”.
Outra diferença, diz, é em relação à postura pública dos magistrados: “Você vai ter dificuldade de encontrar o juiz Márcio Moraes falando sobre a sentença. Porque ele sempre teve o entendimento sobre o papel do juiz, onde começa, onde termina. E o papel do juiz é dentro do tribunal, não na frente de uma câmera de TV dando entrevista”, diz. “E torna-se mais inapropriado ainda falar sobre uma sentença antes de ser julgada, como estão fazendo lá no TRF-4.”
O recurso de Lula será analisado pela 8a Turma do TRF-4, composto por três desembargadores. Flores não participa desse julgamento. Ivo vê diferenças ainda no desfecho dos casos: “A sentença de Moraes, que condena a União, também dá ordem para que seja investigado o crime contra meu pai. E essa parte nunca foi cumprida […] Então o Estado não vai cumprir a sentença que eventualmente seja dada contra Lula? Tenho certeza que será o oposto. Cumprirá correndo. Então há mais pontos de antagonismo do que semelhanças. Quando faz referência ao caso do meu pai, sinto que ele [Flores] está querendo pegar carona para se tornar mais célebre”.
Por meio de sua assessoria, Flores afirmou que não há motivo para que familiares de Herzog se sintam ofendidos. Ele ressaltou que sua comparação tratava de “aspectos técnicos” e que isso ficou claro quando disse que não fazia analogia do momento político.