Depois da Rua Tutoia traz personagens reais e fictícios para falar de um período histórico e suas consequências na vida das pessoas até hoje
O Brasil teve bebês sequestrados por agentes da ditadura? Havia maternidades clandestinas, como nos países vizinhos, durante os anos de chumbo? São perguntas ainda sem respostas na história recente do País. Por enquanto. O tema é tratado no livro Depois da Rua Tutoia (11 Editora, R$ 59,90), romance do jornalista Eduardo Reina. A obra será lançada ontem, em São Paulo.
Os personagens são baseados em histórias reais de pessoas que lutaram contra, sofreram ou apoiaram a repressão nas décadas de 1960/70. Depois da Rua Tutoia mostra a vida de Margareth e José Eugênio, militantes de esquerda que lutaram contra o regime de opressão. O casal criou uma célula de resistência no município de Mauá, região do ABC paulista e trabalhou numa fábrica de porcelana. A mesma onde o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, foi funcionário naquela década.
Com membros da Igreja Católica, organizaram os operários e moradores pobres da região. Mas acabam localizados por agentes da repressão. Margareth ficou presa no Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Rua Tutoia, na capital paulista, centro de prisão e tortura.
A história criada por Eduardo Reina mostra o que aconteceu com a militante presa e com a filha que teve no cárcere, Verônica. São as vidas desenvolvidas depois da prisão no DOI-Codi da Rua Tutoia.
“Reina nos apresenta, por meio da vida de Verônica, o feminino da ditadura, o sofrimento das mulheres e sua ativa participação na luta”, afirma o presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Adriano Diogo, que prefacia a obra.
O autor realizou extensa pesquisa para embasar seu romance ficcional e se deparou com um caso emblemático, o único registrado oficialmente: é o de Lia Cecília da Silva Martins, empresária de 41 anos (segundo registro feito pelos pais adotivos) que hoje mora no Rio de Janeiro. No início da década de 1970, ela foi sequestrada ainda bebê e levada para um internato na cidade de Belém por dois militares que atuaram contra a guerrilha no Araguaia. Acabou adotada por uma família paraense, que desconhecia a origem da criança.
“O livro é uma ótima base para debates sobre esse momento da história. Afinal, o sequestro de filhos e filhas de militantes de esquerda durante os anos da mais recente ditadura brasileira – uma ação muito usual nos países do Cone Sul, principalmente na Argentina – também aconteceu no Brasil”, garante o jornalista.
Com 240 páginas, o livro é o primeiro romance do catálogo da 11 Editora – editora independente sediada em Jaú, interior paulista – e apresenta um projeto gráfico interativo. Os primeiros capítulos simulam documentos oficiais do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e estão contidos em um “envelope” com o timbre de confidencial, que precisa ser aberto. Sem isso, a narrativa não pode ser compreendida. Ao estimular o leitor a acessar o que está oculto, a ideia é provocar uma reflexão: a de que todos os arquivos sobre a ditadura militar venham a público, para que a história recente do País possa ser reescrita e entendida.
A obra é vendida pelo site da 11 Editora (www.11editora.com.br).
Sobre o autor – Eduardo Reina atualmente é coordenador do Departamento de Imprensa da Artesp. Trabalhou em vários jornais, revistas e periódicos, rádios e televisão em São Paulo e no interior, desde 1983. Ganhou vários prêmios de jornalismo, como o Abril, o Estado e o Imprensa Sindical. Em 2010, seu blog venceu o prêmio Estado. No mesmo ano também foi menção honrosa no prêmio Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Autor do livro de contos policiais No Gravador (2003). Integrante dos livrosO Conto Brasileiro Hoje, Volume 5 (2007) e Contos e Casos Populares (introdução de Paulo Freire) (1984).