DUAS MORTES DE VLADO
Está fazendo 25 anos, nem acredito.
Como correu o tempo, como as coisas mudaram depressa e, no entanto, como às vezes parece que não saímos do lugar, deixando tudo com está para ver como é que fica.
Mais grave ainda é constatar que, apesar de tantos avanços democráticos, em certas coisas regredimos.
No jornalismo, por exemplo. Quando Vladimir Herzog, o nosso Vlado, foi assassinado há um quarto de século, muitos jornalistas continuavam trabalhando como se a censura não existisse.
Hoje, a censura prévia não existe mais, ao menos formalmente, mas muitos jornalistas, talvez a maioria, agem como se houvesse um censor invisível controlando suas almas, mentes e matérias.
Nos tempos de Vlado, levar o jornalismo às últimas conseqüências, ou seja, contar tudo que está acontecendo e é de interesse da maioria da população, constituía atitude temerária, significava correr risco de vida.
Por isso, Vlado, torturado, morreu.
Hoje, o único risco que existe é o de perder o emprego – e esse parece ser mais amedrontador do que perder a própria vida ou perder a vergonha na cara.
Pior: no jornalismo de resultados que domina tantas redações, mais do que o medo de perder o emprego impera o vale tudo da ambição para a rápida conquista de cargos e salários.
O compromisso social e político, que era o principal mote da atividade jornalística nos tempos da ditadura, agora virou coisa de dinossauros românticos.
Com essa história de fim da história, morte de ideologias e todo o poder ao mercado neoliberal globalizado, o que se quer é decretar a morte de princípios, valores, aquelas coisas antigas resumidas na palavra idealismo.
Mudou o caráter da profissão. O jornalismo exercido por Vlado era um instrumento de lutas, mudanças, avanços sociais, conquistas populares, compromissos éticos.
O que é o jornalismo hoje? Se voltasse a freqüentar uma redação, por alguns segundos, desconfio que Vlado não reconheceria o cenário, não lhe agradaria a paisagem, estranharia os personagens.
Celebrar a morte de Vlado é um bom motivo para refletirmos o que fizemos do nosso ofício, uma forma de evitar que morram também os ideais pelos quais ele lutou.
* Ricardo Kotscho é jornalista