O que cabe à escola em relação à saúde mental, no campo da educação, e não da saúde? A partir deste questionamento, o Instituto Vladimir Herzog tem conduzido uma pesquisa-ação na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, com participação de gestores/as, professores/as, funcionários/as, estudantes e familiares. A primeira etapa da pesquisa, concluída em 2023, chegou a algumas hipóteses publicadas no relatório preliminar “Educação em direitos humanos: Convivência escolar e saúde mental”.
“Foi possível perceber como os valores presentes no cotidiano se relacionam com a produção do sofrimento, evidenciando que o fortalecimento de valores democráticos e dos direitos humanos podem ser muito importantes para a abordagem da saúde mental, quando falamos do contexto escolar”, apresenta Hamilton Harley, coordenador de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog.
A pesquisa, que segue em expansão até 2025, já apresentou resultados significativos em sua primeira fase, conduzida entre 2022 e 2023 pela equipe de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog, no âmbito do projeto Respeitar é Preciso!, presente há 10 anos na Rede Municipal de Ensino de São Paulo.
O processo é realizado a partir de um grupo de trabalho permanente com gestores da rede, escutas de diferentes atores escolares – como estudantes, professores e funcionários –, e encontros formativos ampliados.
Transformações culturais
A abordagem da pesquisa-ação, que possui caráter formativo, não desconsidera a relevância de tratamentos individuais de saúde, mas destaca a importância de atuação nas causas da produção social do sofrimento, do ponto de vista educativo. Trata-se, assim, de uma perspectiva da educação em direitos humanos, voltada para transformações culturais.
Como destaca o relatório publicado, “no processo da pesquisa, os diversos sujeitos envolvidos passaram da ideia de que o sofrimento é individual e sempre necessita de atendimento psicológico para a compreensão de que também há fatores sociopolíticos na raiz da maioria das manifestações de sofrimento na escola. E que a instituição escolar, ao passo que muitas vezes, sem se dar conta, os reproduz, também pode atuar como instituição educadora promovendo transformações”.
Nas escutas com estudantes, professores/as e funcionários/as, a escola revela-se como a imagem de um arquipélago: há um distanciamento entre as percepções de cada grupo sobre o sofrimento e suas causas. Docentes, por exemplo, sentem frustração por não saber lidar com sofrimento de estudantes, que atribuem apenas a fatores externos à escola. Contudo, é notável que dinâmicas internas da escola que reproduzem desigualdades e discriminações também podem se relacionar à produção social do sofrimento. Assim, o relatório aponta, entre outros caminhos, para trabalhos pedagógicos que problematizem as causas de sofrimento e dos conflitos no ambiente escolar.
“Os diferentes grupos da comunidade escolar anseiam por encontrar na escola um espaço de acolhimento, escuta, pertencimento e participação. Diante dessas complexidades, a perspectiva da educação em direitos humanos emerge como uma chave crucial para a transformação”, conclui Hamilton Harley.