Em entrevista, fundadora do Instituto Patrícia Galvão afirma que o 1º Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres colocará em pauta debates imprescindíveis para o enfrentamento desse problema global
Graduada em Filosofia e mestre em Ciências da Comunicação, ambos pela Universidade de São Paulo, Jacira de Melo é, atualmente, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão – entidade que, juntamente com o Instituto Vladimir Herzog, irá promover o 1º Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres, nos dias 20 e 21 de maio, no Sesc Pinheiros, em São Paulo.
Especialista em comunicação social e política na perspectiva de gênero e raça, foi uma das fundadoras do SOS Mulher em São Paulo, primeira organização de atendimento de mulheres vítimas de violência. Nos anos 1980, dirigiu vídeos e programas de TV sobre violência contra as mulheres.
Coordenadora de pesquisas de opinião e campanhas sociais sobre a problemática da violência doméstica, Jacira acredita que o seminário terá um papel fundamental de provocar um debate inédito, colocando em pauta debates imprescindíveis para o enfrentamento das culturas da violência contra as mulheres nas sociedades e culturas.
Para ela, é preciso refletir sobre a educação de meninos e meninas e valorizar o respeito à diferença, sem submissão.
Leia abaixo a entrevista completa com Jacira de Melo.
Como surgiu a ideia de se fazer esse evento? Quais são os objetivos do seminário?
Reunindo um amplo elenco de especialistas, ativistas e representantes de organismos e instituições nacionais e internacionais, este 1º Seminário buscará provocar um debate inédito, aprofundado e propositivo sobre a Cultura da Violência contra as Mulheres, em suas diversas formas e abordagens, para que seja alcançado um pacto global de não-tolerância à perpetuação da violação dos direitos humanos das mulheres.
Nossa expectativa é que, ao longo dos dois dias do Seminário, realizemos um esforço coletivo de revisitar o tema da violência contra as mulheres tendo em perspectiva suas causas mais profundas e os mecanismos que constroem, disseminam e perpetuam uma cultura de desrespeito aos direitos humanos das mulheres que atravessa gerações e fronteiras geográficas e ignora diferenças de níveis de desenvolvimento socioeconômico.
Qual a importância de se realizar um seminário internacional para discutir a cultura de violência e apresentar propostas de mudanças nesse campo? Em linhas gerais, como é o panorama atual da cultura de violência contra as mulheres?
A cultura da violência contra as mulheres é um problema global, ao qual a sociedade brasileira e as sociedades de diferentes países – mais ou menos desenvolvidos sócio, cultural e economicamente falando – não tem dado a atenção devida.
Para erradicar a violência contra as mulheres que acontece no espaço público e privado, e que tem se perpetuado de gerações em gerações, é preciso se debruçar sobre as causas. Sobre raízes culturais dessa violência.
Em várias partes do mundo, nos últimos 30 , 40 anos, o que se tem focalizado especialmente são os efeitos e consequências: o abuso sexual de meninas, o estupro, a violência doméstica, o assassinato de mulheres pelos seus parceiros íntimos etc. Algo que tem sido fundamental, diante da epidemia de violência contra as mulheres no Brasil e no mundo. E aqui é preciso ressaltar que em um número significativo de países tem sido possível contabilizar vitórias no âmbito de sensibilização de sociedades e na exigência de Leis e políticas públicas que enfatizem o acolhimento, proteção e acesso à justiça de mulheres que sofrem violência de gênero.
Agora, associada a essas ações de exigência para acesso à justiça por parte das mulheres e de responsabilização de agressores, é também preciso maior ênfase no debate sobre as culturas da violência para se conseguir exigir mudanças de comportamento e mentalidade nos padrões de socialização.
O que é necessário para se desconstruir a cultura de violência de gênero?
É preciso refletir sobre a educação de meninos e meninas para o respeito à diferença, sem submissão. Se faz necessário valorizar o diálogo como peça chave para a resolução de conflitos nas relações afetivas, como um valor ético, como um valor afetivo. Esses temas precisam ganhar força e relevo no ambiente de opinião pública.
Debater cultura da violência contra as mulheres é problematizar questões fundamentais, como por exemplo, quais são as normas e ideais que contribuem para as desigualdades de gênero. Tendo como referência que a infância e a juventude são momentos de construção de identidades, comportamentos e mentalidades. E que cabe à sociedade introduzir a reflexão sobre a violência contra as mulheres em todos os espaços, problematizando a socialização de meninos e meninas nas famílias, nas escolas, nos espaços religiosos etc.
O Seminário também colocará em pauta o debate sobre o papel da mídia e das redes sociais na construção e desconstrução da cultura da violência contra as mulheres, estarão no centro dos debates os diferentes gêneros: filme, música, teledramaturgia, campanhas publicitárias etc.
Em relação às instituições, a proposta é debater como as mudanças nas práticas, comportamentos e mentalidades das instituições podem fazer toda a diferença no enfrentamento das culturas da violência contra as mulheres nas diversas sociedades e culturas.