25/10/2021

Milton Blay

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Estava na redação do JT, na Major Quedinho, revisando minha matéria sobre a indústria do
Turismo, quando soube da morte do Vlado, um companheiro que tinha sido preso na véspera
com outros amigos como Markun, Konder, Serjão. Fiquei paralisado durante alguns instantes,
inerte. Logo depois, me anunciavam que um sonho de juventude estava para se realizar: meu
primeiro artigo assinado seria publicado no dia seguinte, segunda-feira, ocupando toda a última
página e com chamada na capa. Doeu, senti algo parecido com vergonha e ódio, difícil definir.

Eu tinha 24 anos. No dia seguinte, o anúncio da morte do Vlado saiu numa página interna do
jornal, junto com uma publicidade do Panettone 900. E, como previsto, a matéria sobre a
indústria do turismo fechava a edição. Vi meu nome impresso, lembro-me de ter sentido dor de
barriga e jogado um exemplar no lixo. Pensei em ir embora e nunca mais pisar numa redação.
Foi com esse estado de espírito, em meio a um silêncio sepulcral, que assinei o manifesto dos
jornalistas “Em Nome da Verdade”, que circulava de mesa em mesa do JT e Estadão. Não
como um ato de coragem, mas como a única coisa a ser feita, certo de que Vlado não podia ter
se suicidado.


Dias depois conversei com o rabino Henri Sobel, que determinou que o corpo não fosse
enterrado no setor dos suicidas do cemitério judaico do Butantã. Soube então que a Chevra
Kadisha, que limpa o morto antes do enterro, alertou o rabino para as marcas de tortura,
levando-o a desafiar os assassinos da ditadura.
4/7/2021.

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