A impunidade prevaleceu mais uma vez. O militar brasileiro Átila Rohrsetzer acusado por crimes cometidos durante a ditadura (1964-1985) morreu antes de ser julgado pela justiça italiana. Seu julgamento estava marcado para esta terça-feira, dia 26 de outubro, em Roma, no entanto, não ocorreu, pois sua morte foi descoberta pouco antes da sessão.
Átila Rohrsetzer participou do sequestro, tortura, assassinato e ocultação de cadáver do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Ismael Viñas Gigli em 1980, na fronteira de Paso de los Libres (Argentina) e Uruguaiana (Brasil). À época, Rohrsetzer era diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul.
Caso fosse julgado Rohrsetzer seria o primeiro militar a ser condenado por crimes da ditadura, fato inédito no Brasil que historicamente acoberta os crimes dos agentes deste período da repressão, escorando-se irregularmente na Lei de Anistia.
Com a descoberta de sua morte, ocorrida em agosto deste ano, o processo será extinto definitivamente em uma audiência marcada para o fim de novembro.
SOBRE O PROCESSO
O processo resulta de um julgamento maior, envolvendo casos da Operação Condor – acordo político-militar de colaboração entre ditaduras latino-americanas para a repressão e tortura sistemática, desenvolvido no contexto da Guerra Fria. O processo principal, aceito pela Justiça italiana em 2007, investigou os crimes cometidos por agentes de ditaduras do Cone Sul contra cidadãos ítalo latino-americanos entre 1973 e 1980 a partir de denúncias de parentes de vítimas. Nesse processo, foram denunciadas 146 pessoas, incluindo quatro brasileiros. Ao todo, 33 tornaram-se réus, sendo que 8 ex-presidentes e militares sul-americanos foram condenados à prisão perpétua por assassinato.
Quatro brasileiros foram acusados do assassinato do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Vinãs Gigli, cometido no âmbito da Operação Condor: João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi, Átila Rohrsetzer e Marco Aurélio da Silva Reis. Todos integravam o aparato repressivo brasileiro. Como Job, Ponzi e Silva Reis morreram durante o andamento do processo, Rohrsetzer tornou-se o único réu.
SOBRE O CASO
Lorenzo Ismael Viñas foi estudante de Ciências Sociais em Buenos Aires, na Argentina, onde ingressou no movimento estudantil em 1969. Em 1970, aderiu à Juventude Universitária Peronista (JUP). Militante da organização Montoneros, desapareceu em 26 de junho de 1980, aos 25 anos, na região de Uruguaiana (RS).
Em 1974, recém-casado com Claudia Olga Ramona Allegrini, esteve preso por nove meses no Presídio Villa Devoto, na capital argentina. Depois de libertado, mudou-se com a mulher para o México e, em seguida, para o Brasil. Voltou à Argentina em 1979 onde, em maio do ano seguinte, nasceu a única filha do casal.
Segundo a denúncia, diante das perseguições políticas, o casal decidiu mudar-se para a Itália. Durante viagem rodoviária, em junho de 1980, Lorenzo Viñas foi interceptado na fronteira entre Argentina e Brasil, entre as cidades de Paso de Los Libres e Uruguaiana. Nunca mais foi visto.
A última pessoa a encontrá-lo com vida, Silvia Noemi Tolchinsky, depôs em 2018 para a Justiça italiana. Segundo a testemunha, ela e Viñas estiveram presos no centro clandestino de detenção do Campo de Mayo, propriedade do Exército argentino localizada na grande Buenos Aires.
Em seu depoimento, relatou que Viñas lhe disse que estava preso há mais de 90 dias. Com ele, estava a foto de sua filha, nascida 20 dias antes de seu sequestro. O Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela prisão e tortura de Viñas em 2 de agosto de 2005 em sessão na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
O caso também consta do Dossiê Ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985), elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (2009, 2ª ed.) e foi denunciado pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep) da Argentina por meio do registro de nº 992. No Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em 2014, o nome de Rohrsetzer aparece relacionado à vítima.
SOBRE O ACUSADO
Átila Rohrsetzer é citado três vezes no volume 1 do Relatório Final da CNV. Militar do Rio Grande do Sul, foi apontado como integrante do comando de uma série de aparelhos da estrutura repressiva da ditadura militar brasileira, entre eles, o serviço de informações do Comando do III Exército (1967-1969); a Divisão Central de Informações (DCI), órgão com funções equivalentes aos Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que atuava em parceria com as áreas de segurança e informações do III Exército (1970-1971); e o próprio DOI-CODI do III Exército (1974-1975).
O Relatório Final da CNV, elaborado a partir do relato de vítimas e testemunhas de graves violações de direitos humanos, além de pesquisa documental, relaciona Átila Rohrsetzer a crimes cometidos contra pelo menos oito pessoas, entre elas, dois cidadãos ítalo-argentinos: Horacio Domingo Campiglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Viñas Gigli.