05/11/2017

Justiça para o fotógrafo Sérgio Silva: a vítima de um tiro não pode ser a culpada

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Nesta quarta, 29, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) terá a oportunidade de reparar a grave injustiça que marca um dos episódios mais emblemáticos de violência contra comunicadores no país.

É nesse dia que os desembargadores Rebouças de Carvalho, Décio Notarangeli e Oswaldo Luiz Palu apreciarão recurso movido pelo fotógrafo Sérgio Silva, que contesta decisão de primeira instância em um processo judicial aberto por ele, no qual demanda que o Governo do Estado de São Paulo seja responsabilizado pela perda de parte de sua visão.

Tudo começou no dia 13 de junho de 2013, quando Sérgio perdeu o olho esquerdo ao ser alvejado no rosto por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) enquanto fazia a cobertura da intensa repressão policial a manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público na capital paulista.

No mesmo ano, o fotógrafo acionou a Justiça requerendo que o governo estadual lhe pagasse indenização por danos morais, materiais e estéticos, além de conceder pensão mensal vitalícia, sob a justificativa de que o exercício de sua profissão estaria prejudicado para sempre em razão do ocorrido.

Três anos mais tarde, em agosto de 2016, veio a primeira decisão. Para espanto de quem acompanhava o caso, o juiz Olavo Zampol Júnior, da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, decidiu negar o pedido de Sérgio alegando nos autos que a responsabilidade pelo grave ferimento era da própria vítima e não da PM-SP.

Para tentar compreender essa contestável decisão, é preciso considerar a conjuntura na qual ela ocorreu. Logo após junho de 2013, o Brasil assistiu ao recrudescimento da criminalização do direito de protesto, em um processo que se caracterizou não só pelo uso indiscriminado de armamento menos letal contra manifestantes e comunicadores, mas também por violações em outros âmbitos. No Legislativo, dezenas de projetos de lei foram apresentados visando a criar embaraços à realização de manifestações, enquanto ao Sistema de Justiça coube o papel de criminalizar manifestantes e legitimar as arbitrariedades cometidas pela polícia por meio de uma série de decisões judiciais controversas.

Duas delas afetaram o fotógrafo Alex Silveira e a estudante Isadora Ribeiro. O primeiro perdeu na Justiça o direito à indenização que havia conquistado após também ser vítima de um disparo de bala de borracha que tirou parte de sua visão enquanto cobria um protesto em São Paulo. Já a segunda foi alvejada na cabeça pela polícia durante a cobertura de um protesto em Brasília, e, posteriormente, teve um pedido de indenização igualmente negado.

Nos dois casos, a justificativa dada foi a mesma: a de que os comunicadores tinham responsabilidade pelo ferimento. Tais decisões permitem a interpretação temerária de que o Judiciário brasileiro aceita como esperado o modus operandi violento da polícia em manifestações, além da existência de uma “zona de guerra”, na qual há uma “linha de tiro” entre policiais e manifestantes.

Por tudo isso, é fundamental que os desembargadores responsáveis pelo julgamento do próximo dia 29 revertam a primeira decisão e concedam as indenizações pedidas por Sérgio Silva, sob pena de contribuir para a perpetuação da conduta violenta da polícia em protestos de rua, que coíbe a presença de manifestantes e estimula a autocensura de comunicadores. Tal fato não apenas traria reparações a alguém que há mais de quatro anos busca por justiça, como também protegeria o direito de toda a sociedade à liberdade de expressão e acesso à informação.

Assinam esta carta:
ARTIGO19
Instituto Vladimir Herzog
Associação Profissão Jornalista
OBORÉ Projetos Especiais
Repórteres sem Fronteiras
Martim Sampaio (Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP)

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