18/02/2021

Jalusa Barcelos

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A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.

Jalusa Barcelos

Em 1975, eu trabalhava como repórter do 2º caderno de O Globo, onde cobria basicamente teatro e música popular brasileira. Não fazia muito tempo que o jornal tinha implantado a edição aos domingos, assim como não fazia muito tempo que os comandos da redação tinham mudado. Uma coisa decorrente da outra. Penso que foi por aí – 1971 ou 1972 –, que O Globo lançou o jornal aos domingos e seus novos editores/diretores – Henrique Caban e  Evandro Carlos de Andrade respectivamente –reformularam praticamente todo o jornal. E trouxeram para a redação do Rio uma leva de jovens repórteres, oriundos das sucursais dos mais diferentes estados. No meu caso, vim de Porto Alegre, quando ainda cursava a faculdade de jornalismo da UFRGS, e em 1975 acabara de completar 23 anos.

E como era de se esperar, todos muito jovens, muito inquietos, muito
sonhadores e, portanto, muito comprometidos com o papel transformador da imprensa, que, naquele momento, significava literalmente se opor e tentar (de alguma forma) lutar contra a ditadura. Minha chegada aqui se deu nesta medida: era uma jovem recém contratada da sucursal do O Globo em Porto Alegre quando pedi para trazer pessoalmente as matérias especiais da nossa sucursal para a primeira edição do jornal de domingo.

Lembro até hoje das palavras do Evandro, quando pedi transferência: “Você é uma menina; essa cidade é uma selva; mas pela sua ousadia vou te transferir para cá.” E logo, logo todos nós fomos encontrando a nossa turma. Tínhamos um compromisso ético com a prática do ofício; carregávamos uma inquietação naturalmente crítica em tudo que perscrutávamos, éramos, enfim, aquele famoso grupo que dr. Roberto denominou dos “meus melhores jornalistas” quando o Dops pediu a lista dos comunistas que trabalhavam no jornal. Alguém pode precisar melhor do que eu essa informação, mas me parece que o pedido da lista ocorreu também por aí, entre 1974 e 1975.

E dr. Roberto tinha razão em nos “defender”. Pois se ele fosse mesmo nos
entregar às autoridades policiais, provavelmente a redação como um todo não funcionaria. Formávamos a maior base do Partido Comunista Brasileiro e mesmo que nunca tenhamos contabilizado com exatidão este número, era
frequente se ouvir que a base do Pecesão no Globo tinha mais de 85 filiados.

Mas lembro que 75 foi um daqueles anos muito cruéis. Especialmente para o Partido, que, já no início do ano, teve grandes baixas como a prisão do Marco Antônio Coelho. Eu mesma “visitei” o Dops umas duas ou três vezes, pois esse foi o ano em que o cerco se fechou em torno do Partidão. Não lembro de nenhum companheiro que não tenha sido preso, mesmo para “averiguações”, naquele ano fatídico que terminou com a morte do Herzog.

Posso tentar listar os nomes dos antigos companheiros desta nossa fantástica base política de O Globo. Mas acredito, piamente, que todos eles devem ter sido signatários deste manifesto. E com este breve relato penso ter respondido à última questão. Eram estas as circunstâncias em que tentávamos exercer a nossa profissão, e assinar, portanto, um documento como este era mesmo uma obrigação. Um dever cívico, um compromisso político de amor ao seu semelhante. Exercíamos o ofício numa generosa combinação de paixão e consciência.

9/2/2021.

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