30/09/2020

IVH envia colaborações para sessão do CDH da ONU nas relatorias sobre Desaparecimento Forçado e Memória, Verdade e Justiça

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O Instituto Vladimir Herzog enviou duas intervenções públicas para a 45ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, que está acontecendo desde o dia 14 de setembro e irá até 6 de outubro de 2020. Seguindo os protocolos de segurança, em razão da Covid-19, as participações estão sendo previamente gravadas em vídeo e enviadas para exibição durante as sessões. 

As contribuições que o IVH enviou para esta sessão dão continuidade aos informes enviados nos anos anteriores ao Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários e à relatoria especial sobre a promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não-Repetição. Após o término da 45ª Sessão, o IVH enviará relatórios atualizados para a ONU sobre essas temáticas. 

Histórico das ações do IVH junto à ONU
O Comitê da ONU sobre Desaparecimentos Forçados enviou, no dia 19 de maio deste ano, um documento ao governo brasileiro pedindo esclarecimentos e cobrando uma política de enfrentamento à questão do Desaparecimento Forçado. Os pedidos foram elaborados em face de uma série de denúncias da sociedade civil acerca do desmantelamento dos mecanismos de combate à questão e do desrespeito sistemático à Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado por parte do governo brasileiro, incluindo a omissão diante das violações aos Direitos Humanos perpetradas pelos próprios agentes do Estado.

Entre tais denúncias, estão os ofícios enviados à ONU pelo Instituto Vladimir Herzog no objetivo de informar e denunciar os acontecimentos políticos no campo de Memória, Verdade e Justiça no país. No caso em questão, destaca-se o Ofício 02/2020/IVH, enviado ao Comitê da ONU sobre Desaparecimentos Forçados, em 09 de janeiro de 2020, como contribuição em análise ao primeiro relatório apresentado pelo Brasil ao Comitê em junho de 2019 sobre a temática. Assim, resumidamente, por meio desse Ofício, com observações críticas e demonstração de insuficiências do relatório citado, o IVH apontou:

 

  1. É fundamental que o Estado brasileiro busque cumprir com o que acordou por meio da promulgação da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, que tem peso de Emenda Constitucional na legislação nacional, diante do quê se verifica uma completa ausência de compromisso com a implementação de políticas futuras de enfrentamento à questão pelo atual governo brasileiro;
  2. Ainda permanece no ordenamento do país a ausência de tipificação do crime de desaparecimento forçado, uma vez que o Projeto de Lei nº 6240/2013 está parado em etapa de avaliação no Congresso Nacional. Além disso, é absolutamente errônea e contrárias às recomendações da Comissão Nacional da Verdade a compreensão de que a criminalização do desaparecimento forçado deve ser limitada pela Lei de Anistia, ao que o Comitê da ONU deve cobrar uma posição do governo brasileiro neste sentido;
  3. O desaparecimento forçado não é uma violência exclusiva da ditadura militar brasileira, persistindo durante toda nossa redemocratização, de modo que o Estado deve ter uma política ampla de enfrentamento a tais barbaridades;
  4. Há presentemente uma forte intervenção do governo de Jair Bolsonaro na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), reconhecida como instância competente na busca de pessoas desaparecidas e na participação da organização de dados sobre desaparecimento no Brasil desde a sua criação, em 1995, minando a representatividade de seus membros, substituindo-os por militares, bem como desmantelando o funcionamento da Comissão Especial; 
  5. Há a necessidade de esclarecimento por parte do governo brasileiro em relação ao que se refere como as “consultas e pesquisas de dados” realizadas para que “a verdade seja alcançada na sua medida exata” em relação ao trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Perus (GTP).


ONU exige respostas do governo brasileiro
Como resultado deste e de outros ofícios endereçados ao Comitê da ONU pelo IVH e demais entidades e organizações da sociedade civil brasileira, o Brasil foi inquirido pela ONU a prestar esclarecimentos nos moldes do acordado na Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado. 

Dessa forma, entre as cobranças, o Comitê solicitou ao Estado brasileiro informações sobre a implementação das recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) em seu relatório final sobre desaparecimentos forçados. Já em relação à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), exigiu indicativos de posse da Comissão de recursos necessários para o cumprimento efetivo dos objetivos associados a ela, assim como informações sobre o trabalho realizado pela Comissão e seus progressos até o momento na busca de pessoas desaparecidas e na promoção da busca pela verdade, memória e reparação. Além disso, solicitou informações acerca dos resultados do trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Perus (GTP) e sobre o impacto do Decreto 9.759 de 2019 nos trabalhos da Comissão Especial.

Sobre a CEMDP, o GTP e o Decreto citado, merece especial ênfase o Ofício 035/2019/IVH, enviado em setembro de 2019 ao Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários da ONU pelo IVH. De elaboração conjunta com a Comissão ARNS, o Instituto ETHOS, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o ofício informou à ONU os retrocessos no campo de políticas públicas brasileiras acerca dos desaparecimentos forçados.

Entre os apontamentos, estão a perseguição citada aos membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e, como reflexo visível deste retrocesso, demonstrando um cenário de instabilidade jurídica, a publicação do Decreto 9.759 de 2019, já referenciado, que extinguiu sumariamente órgãos e entidades do Estado estabelecidos para assegurar a participação da sociedade civil na tomada de decisões orientadoras de políticas públicas quanto à questão em voga. Tal decreto ameaça diretamente o funcionamento de conselhos e órgãos colegiados, como o Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) e o Grupo de Trabalho Perus (GTP), que é responsável pela investigação e estudo da Vala Clandestina de Perus, na qual foram encontradas 1.049 ossadas, sobre as quais as evidências apontam ligações diretas a desaparecimentos forçados brasileiros, no momento tendo seu funcionamento assegurado apenas por decisão judicial. 

A Organização das Nações Unidas exigiu ainda informações atualizadas sobre o status atual do Projeto de Lei nº 6240/2013, que tipifica o crime de desaparecimento forçado, incluindo o cronograma planejado para sua aprovação e entrada em vigor, e explique quais limitações são impostas pela “Lei de Anistia”. 

O Comitê de Desparacimentos Forçados da ONU solicitou também esclarecimentos acerca dos mecanismos de prevenção à prática de tortura, assim como sobre a responsabilização penal por meio da condenação dos policiais envolvidos no desaparecimento forçado de Amarildo Dias de Souza, uma vez que o crime não é tipificado no país, assim como solicitou ao Brasil informações sobre outros casos de desaparecimento forçado nas mesmas características.

Em relação às milícias, cada vez mais presentes não só na cidade, mas no seio da própria desordem das corporações policiais, e aos conflitos de terras que vitimam, entre outros, territórios indígenas tradicionais, a ONU pressionou o Estado brasileiro por  informações sobre as medidas adotadas para investigar a prática dos atos de desaparecimento forçado por conta própria ou por meio do apoio ou da aquiescência do Estado, e a fim de processar os responsáveis. Além disso, pressionou pela elucidação das medidas adotadas para “prevenir, investigar e punir desaparecimentos supostamente cometidos por mercenários e por membros de grupos paramilitares e/ou esquadrões da morte. obrou também estatísticas atualizadas sobre o número de pessoas desaparecidas no país, incluindo os casos em que possa ter existido participação do Estado. 

A realidade brasileira extrapola a problemática dos desaparecimentos forçados, alcançando a prática recorrente e sistêmica de execuções sumárias e extrajudiciais por agentes do Estado, em serviço ou fora dele, nas periferias e favelas do país, especificamente contra a população negra, como ações apoiadas por governantes. Sobre o tema, como parte das ações de advocacy realizadas pelo Instituto Vladimir Herzog entre os anos de 2019 e 2020, foi enviado à Relatora Especial Sobre Execuções Extrajudiciais das Nações Unidas, em setembro de 2019, o ofício 041/2019, elaborado em conjunto com o Coletivo Papo Reto e o Instituto Raízes em Movimento,que denuncia as graves violações aos direitos humanos no estado do Rio de Janeiro contra a população periférica. elaborado em conjunto com o Coletivo Papo Reto e o Instituto Raízes em Movimento.

 

Omissões por parte do Estado brasileiro
O Estado brasileiro segue se omitindo em dar respostas às cobranças da ONU. Em resposta às demandas da sociedade civil, o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados da entidade solicitou uma missão de visita ao país para averiguar as denúncias realizadas, ainda em abril deste ano. Contudo, segue sem resposta oficial do governo brasileiro até este momento.

Além disso, o governo de Jair Bolsonaro também está ignorando o pedido de missão ao Brasil realizado pelo relator especial da ONU sobre a promoção da Verdade, Justiça e Reparação e Garantias de Não Repetição, Fabián Salvioli. A visita almeja verificar as ações do Estado diante das denúncias de desmonte das políticas de Memória e Verdade e das estruturas de reparação e justiça quanto às violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar. Nesse sentido, Salviolli monitora também as comemorações reincidentes ao golpe militar de 1964 feitas pelo atual governo, motivo pelo qual emitiu, em março, carta de protesto ao Estado brasileiro. No entanto, a data da missão está pendente sem qualquer indicação de agendamento, diferente de outras autorizadas recentemente, como de combate à hanseníase.

O Instituto Vladimir Herzog se posiciona firmemente pela necessidade de que o governo atual pare de atuar com um revisionismo e negacionismo que são incodizentes com os deveres e compromissos que o Estado brasileiro ainda tem para cumprir em relação à nosso passado autoritário e seu legado no presente. Assim, que o Estado brasileiro retome urgentemente as políticas de promoção à Memória, Verdade e Justiça. Só assim será possível superar os dispositivos autoritários ainda presentes nas instituições, efetivando uma transformação rumo a uma cultura de paz e garantindo, de fato, os Direitos Humanos em nossa democracia.

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