O que deveria ser um dia de reafirmação de valores civilizatórios se converteu em mais um capítulo da ofensiva contra a democracia brasileira. Em pleno Dia Universal dos Direitos Humanos, a Câmara dos Deputados aprovou o chamado PL da Dosimetria – um projeto de lei que, sob o pretexto de rever penas, configura-se numa nova tentativa de golpe e abre caminho para a impunidade dos responsáveis pelos atos criminosos de 8 de janeiro, incluindo o já condenado ex-presidente Jair Bolsonaro.
Como se não bastasse o conteúdo gravíssimo da matéria, a votação ocorreu durante a madrugada, em um ambiente hostil e marcado por ataques diretos à imprensa brasileira, que foi brutalmente atacada e forçada a deixar o plenário após a detenção arbitrária do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) pela polícia legislativa.
A ação contra Braga, desproporcional em todos os sentidos, ocorreu sob ordens que, se não partiram diretamente do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), contaram com sua anuência. Um contraste brutal com a complacência demonstrada, em agosto deste ano, quando deputados da base bolsonarista ocuparam o plenário por 48 horas e paralisaram o parlamento sem qualquer repressão.
Diante desse cenário, o Instituto Vladimir Herzog lamenta que, quando imaginávamos avançar na consolidação democrática, somos novamente arremessados para trás por forças políticas empenhadas em desmontar o pacto civilizatório que o Brasil construiu, com enorme sacrifício, desde o fim da ditadura.
A submissão do Congresso às maquinações golpistas lideradas por Jair Bolsonaro, de dentro da prisão, e a um grupo que defende abertamente a impunidade expõe um parlamento que aceita se transformar em instrumento de blindagem política – e não de defesa do interesse público. Não se trata apenas de um erro legislativo; é um ataque institucional que busca reabilitar quem atentou contra a democracia, criando caminhos para que a violência se normalize.
O Brasil foi reconhecido internacionalmente pela firmeza com que responsabilizou os golpistas do 8 de janeiro. Retroceder agora, relativizando crimes contra o Estado Democrático de Direito, é oferecer ao mundo um exemplo de fraqueza num momento em que vigilância e coragem são indispensáveis.
O Legislativo não pode ser cúmplice desse pacto de impunidade. Mas a responsabilidade não é apenas das instituições, é também da sociedade. Por isso, o IVH convoca cada cidadã e cada cidadão comprometido com a democracia a se posicionar. Nenhuma conquista democrática foi entregue; todas foram arrancadas a partir da mobilização popular, nas ruas, nos atos, na pressão constante sobre quem ocupa cargos públicos.
Se esse projeto avançar, estaremos abrindo caminho para novas investidas autoritárias. Para que a história não se repita, é preciso que a sociedade ocupe seu papel, tanto nas ruas quanto, em 2026, nas urnas. É nelas que o Brasil terá a oportunidade de deixar claro que não aceita golpes, anistias construídas às escondidas, nem representantes que trabalham contra os direitos fundamentais consagrados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Confiamos que o Senado e o Judiciário ainda podem cumprir seu papel e barrar esse golpe legislativo. Mas não podemos – e não iremos – esperar passivamente.
A democracia brasileira exige vigilância. Exige ação. Exige coragem. E ela chama por nós agora.