O Instituto Vladimir Herzog vem a público denunciar que o Projeto de Lei (PL) n.º 2.462/1991, aprovado pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 4 de maio, apesar de revogar formalmente a Lei de Segurança Nacional (LSN), mantém dispositivos autoritários investidos de supostos ares democráticos.
É preciso tomar cuidado com a divulgação e celebração entusiasmadas que se seguiram à aprovação do PL, pois a leitura do novo texto evidencia que o problema não foi superado, a despeito das louváveis intenções que possam ter mobilizado os parlamentares. Isto é, apesar da ausência de menção nominal à Segurança Nacional – o que pode ser considerada uma conquista em meio às reiteradas ações autoritárias em curso no país –, elementos de sua doutrina ainda estão latentes, mas, desta vez, atrelados a uma dita “legitimidade democrática”.
Assim, há sério risco de que as tipificações penais de condutas que atentam contra instituições democráticas, propostas pelo PL, se comprovem como antidemocráticas ao coibir o pluralismo político e reforçar o punitivismo. Permanece a ameaça de que a mão da Justiça recaia novamente, como ocorre histórica e estruturalmente, sobre corpos periféricos e racializados, além da brutal repressão ao ativismo político.
Como se não bastasse, muitos tipos penais da “nova” legislação possuem redação quase idêntica à da LSN, configurando uma reedição de crimes previstos por ela, como o crime de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e os chamados “crimes de opinião”. Além disso, a presença de tipificações penais vagas e abertas como “grave ameaça”, bem como a ausência do requisito subjetivo em muitas delas, permitem uma extensão do poder punitivo do Estado e interpretações jurídicas abrangentes que colocam desproporcionalmente em risco princípios constitucionais como a liberdade de expressão, de manifestação e outras.
Diante disso é que o Instituto Vladimir Herzog, em parceria com Artigo 19, Justiça Global, Terra de Direitos, Anistia Internacional, Grupo Tortura Nunca Mais, Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento Negro Unificado (MNU), Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin, Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos, e Coalizão Direitos na Rede, manifestou críticas à construção da “nova” legislação e reafirma, por meio desta nota, que:
1. Somos a favor da revogação da Lei de Segurança Nacional;
2. A revogação formal pode significar somente uma reedição da LSN com ares democráticos, mas sem afastamento do autoritarismo;
3. É uma contradição argumentar o caráter democrático de uma lei de proteção do Estado de Direito que tem o punitivismo como aposta;
4. O regime de urgência, neste caso, viola o princípio constitucional do devido processo legislativo;
5. A natureza criminal da “nova” lei inevitavelmente importará em consequências aos que historicamente são criminalizados no Brasil;
6. Uma lei que resgata artigos contidos na LSN não pode ser defendida como uma lei que enterra este entulho autoritário.
É crucial relembrar que houve diversas versões de leis de segurança nacional ao longo da história brasileira. É preciso atenção para que esta não seja mais uma. Investi-la de roupagem democrática não representa mudanças significativas se mantida a lógica do inimigo interno que rege o autoritarismo e a repressão.