A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.
Belisa Ribeiro
Já tinha um filho. Mas, aos 21, estava aprendendo ao mesmo tempo a exercer o meu ofício e a minha cidadania. Criança, já tinha aprendido, ao ver meu tio comunista* algemado na cerimônia de casamento da filha, que pessoas podiam ser presas por pensarem diferente. Quis ser jornalista acreditando em salvar o mundo deste e de outros tipos de injustiça e, naquele 1975, recém-promovida de estagiária a repórter “D”, no Jornal do Brasil, mantinha a firme certeza de que conseguiríamos, o plural se referindo aos colegas que admirava e que me ensinavam a apurar as matérias e escolher o lide e também, por exemplo, que os que chegavam de Angola, fugidos da República Popular, proclamada pelo MPLA, não eram bem vítimas nem mereciam tanto assim a minha comoção.
Foi muito revoltante a morte do Herzog. Mais ainda que a perda de um colega de quem eu pouco sabia, doía muito a mentira, a suposição de que éramos – não somente os jornalistas, mas todos – tão idiotas quanto submissos para acreditar no suicídio sem reação. Não acreditamos e reagimos.
Na redação, eram muitas as histórias de resistência memoráveis. Eu não me cansava de ouvir a do AI5, admirada de estarem ali, ao alcance do meu olhar, alguns personagens heroicos – os que driblaram a censura ousada e bravamente e ainda por cima com bom humor suficiente para transformar em protesto político a previsão do tempo no quadradinho habitual da primeira página do JB.
Não lembro qual companheiro me pediu a assinatura. Pode ter sido um dos repórteres especiais. Paulo César Araújo, Heraldo Pereira, [Sérgio] Fleury e Tarcísio Baltar. Eram ídolos para mim e tinham paciência de aceitar meus pedidos de me levar de penetra em algumas de suas grandes reportagens para aprender.
Admirava e respeitava tanto estes quatro que me casei com um, o Tarcísio, pai do meu segundo filho, nascido também na ditadura.
O ambiente no jornalismo nessa época era de união entre todos, dos chefes aos estagiários, contra a censura e as arbitrariedades do “regime”. O Jornal do Brasil teve uma atuação memorável durante toda a luta pela democracia através não de passeatas ou manifestos, mas do próprio jornal, das apurações irretocáveis, como na morte de Rubens Paiva em 1971[reportagem publicada em 1978], e dos dribles inteligentes como a primeira página sobre o suicídio de Allende, em 1973, toda em texto de letras gigantes mas sem título, já que a ordem dos censores era: “Não pode dar manchete com a morte do Presidente do Chile”.
O abaixo-assinado foi um destes marcos. E seguiu exatamente a mesma filosofia. Construir com rigor o que será publicado e dar a volta nas proibições. Pela pesquisa em curso pelo jornalista e historiador Mauro Malin, podemos comprovar a veracidade das mais de mil assinaturas. E a publicação em forma de anúncio é mais um exemplo de como éramos craques na arte da guerrilha.
Tive a felicidade de ouvir os testemunhos de alguns dos grandes responsáveis por este momento único da imprensa para o livro e o filme que fiz sobre o JB, Jornal do Brasil – história e memória (Ed. Record). E me sinto honrada por estar aqui escrevendo sobre esta atitude coletiva, que reuniu profissionais de posições políticas tão diversas, em torno do objetivo comum que era a luta pela liberdade e pela democracia.
* Ivan Ramos Ribeiro (1911-1970) – Tenente aviador, dirigente do PCB, participou da Revolução de 35, perdeu a patente, ficou preso durante nove anos e morreu em uma reunião clandestina. Era chamado por Graciliano Ramos, colega de prisão em Fernando de Noronha de “o tenente que sabia sintaxe” e teve o livro Seara Vermelha, de Jorge Amado, dedicado a ele e à mulher, Elizabeth.
8/2/2021.