O relatório “Ataques ao Jornalismo”, produzido pelo Repórter Sem Fronteiras (RSF) e pelo Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS Rio), e publicado em setembro, causou grande repercussão entre aqueles que atuam em defesa da liberdade de expressão.
O levantamento registrou meio milhão de tweets com hashtags ofensivas direcionadas a jornalistas e comunicadores de todo o Brasil. Mas o que chamou a atenção foi outro dado: a quantidade de mensagens mencionando e ofendendo profissionais mulheres era 13 vezes maior do que aquelas que ofendiam homens.
O Instituto Vladimir Herzog ouviu profissionais da imprensa e representantes de organizações que atuam em defesa dos direitos humanos para tentar entender o que estes números significam.
Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha de S. Paulo e vencedora do Troféu Especial do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2019, foi uma das jornalistas ouvidas. Segundo ela, a violência não é apenas maior contra as mulheres, mas também se revela de forma diferente. “Dificilmente esses ataques vão ser direcionados ao trabalho dela, geralmente eles são sempre com relação à aparência ou com alusões a sexo”, explica.
“Nunca dizem “sua matéria está ruim”, mas sim te chamam de gorda, feia, velha, ou dizem que o marido é corrupto ou que você oferece sexo. Sempre uma atitude agressiva e misógina”, continua a repórter.
A situação descrita por Patrícia também foi demonstrada no estudo realizado pelo RSF e ITS Rio: cerca de 10% dos tweets analisados continham palavras de baixo calão como vagabundo, idiota, burro, ridículo, feio, puto. A incidência desses termos em mensagens direcionadas a mulheres foi 50% maior.
Luciana Barreto, jornalista da CNN, também foi ouvida. Ela acredita que esses ataques sejam intensificados quando pensamos em outras minorias:
“Passamos por uma intersecção de opressões: mulheres jornalistas lidam com uma sociedade machista e um mercado também ainda com o poder nas mãos de homens. o que as mulheres negras jornalistas enfrentam é uma interseção do machismo com o racismo, que agrega mais uma opressão. Ela ainda complementa: “pela fraca presença de jornalistas negros nas redações, especialmente em cargos de poder, agregamos ao racismo e ao machismo uma espécie de solidão”, diz Luciana Barreto.
Apesar dessa situação, a repórter afirma que tem enxergado rumos de mudança: “Acho que os coletivos negros nas faculdades estão colocando uma geração muito politizada, forte e preparada no mercado de trabalho: gente que se organiza e se aquilomba. Vejo o futuro das redações mais colorido.”
Automatização da violência
Dentre o meio milhão de tweets analisados, as organizações também levantaram que 20% deles eram possivelmente feitos por contas automatizadas. Segundo o relatório, a utilização desses robôs tem como objetivo falsificar a verdadeira quantidade de indivíduos engajados em um determinado debate.
A pesquisa ainda afirma que o uso da automação é parte de um projeto e sugere que existam interesses políticos e econômicos nessa manipulação do debate público. “Esses ataques são parte de uma estratégia de comunicação de certos governos, porque você precisa deslegitimar os jornalistas para conseguir emplacar uma visão distorcida da realidade através dessas campanhas de desinformação”, afirma Mello.
A questão das bolhas criadas pelos algoritmos também é um outro problema, segundo Barreto: “Cada vez mais, pessoas de direita se alimentam de conteúdos conservadores e gente de esquerda busca conteúdo progressista. Ninguém ouve ninguém. As fake news passeiam por nós”.
Jornalistas que lutam na defesa da liberdade de imprensa recebem o Nobel da Paz
No início deste mês, os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov receberam o prêmio Nobel da Paz por seus esforços na defesa da liberdade de expressão. O anúncio foi feito pelo comitê norueguês no dia 8 de outubro.
Os jornalistas, que são das Filipinas e da Rússia respectivamente, foram reconhecidos pela sua luta corajosa, já que a liberdade de expressão “é uma pré-condição para a democracia e para uma paz duradoura”.
“[Os laureados] são representantes de todos os jornalistas que defendem este ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, disse Berit Reiss-Anderson, presidente do conselho do Nobel.
Maria Ressa é cofundadora e diretora-executiva do Rappler, empresa de mídia digital de jornalismo investigativo nas Filipinas. Ela utiliza a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal.
Dmitry Andreyevich Muratov é um dos fundadores do jornal independente Novaya Gazeta, veículo criado em 1993. Dois anos depois, ele se tornou o editor-chefe do jornal que já teve seis jornalistas mortos desde a sua fundação. A iniciativa se tornou uma importante fonte de informações sobre informações censuradas da sociedade russa raramente mencionadas por outros meios de comunicação.
No comunicado oficial, o Comitê afirmou que os vencedores são representantes de todos os jornalistas que defendem esse ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas.
A rede de proteção de jornalistas e comunicadores
A quantidade de ataques fora da internet também aumentou e a violência contra jornalistas tem se tornado uma realidade brasileira. A Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, encabeçada pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Artigo 19, é um projeto que auxilia jornalistas que tenham seus direitos violados a encontrarem apoio jurídico e psicológico.
Além desse esquema de coleta de denúncias , a Rede também oferece oficinas e cursos sobre autoproteção, segurança digital, orientações para determinadas coberturas jornalísticas, entre outros temas que auxiliem os comunicadores a se protegerem.
Para saber mais e para cadastrar algum tipo de denúncia de ataque a jornalistas ou comunicadores, acesse: www.rededeprotecao.org.br