A Praça Memorial Vladimir Herzog localiza-se na Rua Santo Antônio, no bairro Bela Vista, em São Paulo. Apesar de parecer um local comum, os degraus cobertos de cantos à liberdade levam aos braços estendidos de uma estátua e essa imagem mostra como o lugar possui um significado mais profundo do que aparenta.
Cada ladrilho e obra presentes na praça foram pensados para contar fragmentos de uma história de resistência que transpassa gerações: a vida, a morte e o legado de Vladimir Herzog, e de todos aqueles que também lutaram – e ainda lutam – em favor da liberdade e da democracia.
Um breve histórico
O assassinato de Vladimir Herzog, gerou a comoção de diversos grupos sociais. Apesar dos militares tentarem emplacar uma versão mentirosa, de que Herzog havia se suicidado, seus amigos e sua família, liderada pela então viúva Clarice Herzog, jamais aceitaram a farsa do suicídio e deram início a uma luta incessante pela comprovação do que realmente havia acontecido nos porões do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-CODI, em São Paulo.
O enterro de Vlado não foi feito da mesma forma que o de outros presos políticos. O caso gerou repercussão social e grande mobilização, puxada por Sindicato dos Jornalistas, movimentos estudantis e até religiosos. Sérgio Gomes, jornalista e amigo de Herzog, conta que o rabino Henry Sobel não seguiu o que a tradição pedia ao realizar o enterro de Herzog: “No judaísmo, o suicídio é um pecado imperdoável, porque é considerado um ‘atendado contra a esperança e a dádiva da vida, que somente Deus pode tirar’. Vlado, sendo judeu, deveria ser enterrado nas margens do cemitério, perto dos muros, e não poderia passar pela lavagem corporal tradicional, mas isso não aconteceu”.
O rabino realizou toda a cerimônia normalmente e essa atitude deixou ainda mais claro que a morte de Herzog não havia sido um suicídio, como diziam os laudos emitidos pelo DOI-CODI, mas sim um assassinato político.
Nos anos seguintes houve muita luta e muita resistência para que a morte de Herzog fosse reconhecida como decorrência da sessão de tortura a que ele foi submetido. A verdadeira versão dos fatos só começou a ser devidamente comprovada, de maneira oficial, com a criação das Comissões Nacionais da Verdade e, finalmente, com a retificação do atestado de óbito, em março de 2013, que, ao invés do suicídio, aponta como causas da morte do jornalista lesões e maus-tratos.
A praça
Em 2012, foi criada a Comissão Nacional da Verdade (CNV) para investigar violações de Direitos Humanos cometidas entre os anos 1946 e 1988, o que inclui o período ditatorial. Além da versão federal, outras comissões da verdade, estaduais e municipais, passaram a funcionar como esses comitês e, por conta disso, cada um recebeu um nome diferente.
A Comissão da Verdade formada pela Câmara Municipal de São Paulo decidiu homenagear Vladimir Herzog. Ítalo Cardoso, o responsável por aquela comissão e presidente da Comissão de Direitos Humanos do parlamento paulistano, pediu autorização a Clarice Herzog para fazer tal referência – que foi obviamente permitida.
O vereador ainda sugeriu que a pequena praça localizada atrás do prédio da Câmara, então chamada Praça da Divina Providência, passasse a se configurar numa homenagem a Herzog e que tivesse um busto do jornalista no centro. O primeiro pedido foi aceito, e a Praça Memorial Vladimir Herzog foi inaugurada no dia 25 de outubro de 2013. Já a segunda solicitação não agradou Clarice, que achou a ideia do busto um pouco mórbida.
A solução foi substituir a ideia do busto por algo que representasse a vida e a luta de Vlado; não apenas a sua morte. Nesse processo, outras obras foram acrescentadas ao plano de construção do memorial. “O espaço não foi pensado para ser uma simples praça; e sim um memorial, um símbolo”, explica Sérgio Gomes.
As obras de arte na praça e suas histórias
A primeira obra de arte instalada na praça, em 2013, foi o mosaico que reproduz a tela “25 de outubro”, criada em 1979 pelo artista plástico Elifas Andreato. O quadro é um repúdio à farsa criada pelos militares, do suicídio de Herzog.
A imagem de Herzog pendurado por uma corda no pescoço, numa cela de um dos principais órgãos da repressão do regime militar, o DOI-Codi, entrou para a história como uma das mais marcantes e emblemáticas daquele período, que durou entre 1964 a 1985.
O mosaico idealizado por Andreato apresenta um retrato das torturas que ocorreram e que levaram à morte do jornalista e de outras pessoas durante o regime. O quadro original foi inspirado na obra “Guernica” de Pablo Picasso, que nasceu em 25 de outubro, mesma data da morte de Herzog. A reprodução foi montada por estudantes do Projeto Âncora e tem cerca de 36 metros quadrados.
As 11 placas de vidro que foram fixadas em abril de 2022 listam os nomes dos 1006 jornalistas signatários do manifesto “Em nome da verdade”, documento que questionava ponto a ponto o inquérito policial-militar sobre a morte de Vlado.
A segunda obra, a escultura “Vlado Vitorioso”, foi instalada em 2016. A estátua de bronze, de 2,2 metros de altura, retrata Herzog celebrando a vitória da geração do jornalista contra a ditadura que o matou.
Também de autoria de Andreato, a obra foi uma reprodução do Troféu Especial de Imprensa da Organização das Nações Unidas (ONU), criado em 2008, que comemorava os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A representação artística também marca os 40 anos do assassinato de Valdimir Herzog.
Em 2019, foi inaugurada a terceira obra da praça: uma réplica do troféu do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que desde 1979 reconhece os profissionais da imprensa que colaboram com a promoção da Democracia, da Liberdade e dos Direitos Humanos. Essa é a premiação jornalística mais importante do Brasil.
A peça retrata a meia lua recortada com a silhueta de Vlado e também é uma criação do artista plástico Elifas Andreato. A peça foi produzida com recursos de emenda parlamentar da vereadora Soninha Francine.
Em 14 de setembro de 2021, data que marca o centenário de nascimento de Paulo Evaristo Arns, foi inaugurada a Escadaria da Liberdade, que possui 17 degraus com trechos da letra do Hino da Proclamação da República. A escadaria foi inaugurada na data de comemoração do 84º aniversário de Vladimir Herzog, no 12º aniversário de criação do Instituto Vladimir Herzog e no aniversário de 80 anos de Clarice Herzog, viúva de Herzog.
Em frente às escadarias, o painel nos fundos da Banca-Livraria Jornalista Vladimir Herzog exibe um outdoor com fotos de momentos marcantes ambientados na praça. A partir de um projeto urbanístico desenvolvido pela Escola da Cidade, a Banca-Livraria passará a integrar essa área que compreende a escadaria-arquibancada e a calçada-palco, que justas formam o Centro Cultural a Céu Aberto Elifas Andreato.
Mosaicos em azulejos com cenas dos eventos que ocorrem todo mês, o Todo Mundo Tem que Falar e Comer!, decoram a passarela próxima à Praça.
Os planos futuros para a praça
A reformulação deste Centro Cultural a Céu Aberto deve torná-lo mais funcional, com melhor aproveitamento do espaço.
Há planos de utilizar parte de uma parede para projeção de slides e vídeos, e de outra para uma grande reprodução do ato ecumênico por Vlado, celebrado na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975.
O grande muro que abraça a Praça será também o local para a instalação de obras de arte do artista Aroeira. Os azulejos instalados neste local trarão os “personagens dessa história” de luta pela memória de Vlado e seu legado, pela democracia e liberdade.
“Esse é um lugar de memória que resgata uma etapa muito importante na luta pela redemocratização no Brasil. Esse espaço no meio da cidade invoca o que foi o anseio de toda uma geração de uma cidade mais justa e igualitária”, conta Aldo Quiroga, jornalista da TV Cultura e um participante ativo de todas as articulações e realizações que envolvem a Praça Vladimir Herzog.
Para ele, o espaço de convívio apresenta um olhar para o passado que se espelha em um futuro melhor.
A praça, localizada na esquina da Rua Santo Antônio com a Praça da Bandeira, é um espaço público, aberto para visitação e convivência de todos – moradores que visitam o espaço com os seus pets, pessoas que vivem em situação de rua, funcionários da Câmara que usam as mesas do local para almoçar e quem mais quiser conhecer um pedaço da história do Brasil.
A praça está localizada perto da Casa do Povo, centro cultural que revisita e reinventa as noções de cultura, comunidade e memória, e na saída do Terminal Bandeira, que é um dos principais pontos de ônibus que conecta a região central da cidade de São Paulo.
O espaço é mantido pela Câmara Municipal de São Paulo e conta com a colaboração de vereadoras e vereadores, artistas, organizações da sociedade civil, estudantes de jornalismo, instituições culturais, da comunicação, educação e de grupos de moradores da região.