Nemércio Nogueira
Diretor do Instituto Vladimir Herzog
É alarmante o resultado da pesquisa da chilena Latinobarometro que a Folha de S.Paulo publicou no dia 29 de Outubro. Ela mostra que no último ano o apoio da população brasileira à democracia caiu de 54% para 45%. Caiu mais que a média de apoio na América Latina. Ou seja, menos de metade da nossa população prefere a democracia a qualquer outra forma de governo. A maioria acha que um governo autoritário pode ser preferível a um democrático, ou que dá na mesma a democracia ou o autoritarismo.
Vivo hoje, à vista desse fato, Nelson Rodrigues diria que, além da unanimidade ser burra, a maioria é estúpida. Parece incrível que, numa nação que foi vítima da opressão de uma ditadura, mais de metade da população pense que um governo totalitário pode ser melhor que a democracia, ou que tanto faz.
É por isso que tem tanta importância o trabalho que vem sendo feito pelo Instituto Vladimir Herzog, com seu projeto “Resistir é preciso…”, resgatando os jornais e jornalistas que, nas bancas, na clandestinidade ou no exílio, combateram a ditadura. Em vídeos, livros, documentários e outras iniciativas, o Instituto insere na História do Brasil e procura mostrar a todos, principalmente aos mais jovens, qual era a realidade que vivíamos nos anos de chumbo. Para que não permitamos que isso aconteça de novo.
Os estúpidos que dispensaram a democracia nessa pesquisa do Latinobarometro não sabem que, sem democracia:
- A imprensa amordaçada não poderia denunciar corrupção nos governos, nem opinar livremente sobre todos os assuntos;
- Um presidente da República rejeitado pela população não teria sido castigado pelo impeachment;
- Um presidente que terminou oito anos de mandato com apoio de 86% da população, também segundo o Latinobarometro, não poderia sequer ter sido eleito;
- O fim do sigilo eterno de documentos do governo e a criação da Comissão da Verdade, já aprovados pela Câmara e pelo Senado, nem projetos teriam sido;
- O Brasil não viveria o atual desenvolvimento social e econômico, nem gozaria do respeito que hoje lhe dedicam os outros países;
- Nenhuma crítica ao governo seria permitida – por jornalistas, por sindicalistas, por estudantes, por políticos, ou por quem quer que fosse;
- A corrupção, a incompetência e o desmando de governantes e funcionários públicos estariam permanentemente acobertados pela intransparência do poder totalitário;
- Estaríamos todos continuamente sob a ameaça arbitrária de prisão, tortura e morte;
- Teríamos de tomar cuidado com o que disséssemos perto de colegas de escola e de trabalho, vizinhos, conhecidos, até parentes, pois qualquer um poderia nos delatar, em troca de alguma vantagem junto aos donos do poder;
- Ainda existiria um DOPS, com o inacreditável nome de Departamento de Ordem Política e Social, onde se prendiam pessoas pelo crime de pensamento e opinião;
- Não poderíamos votar porque os mandantes nos seriam impostos, nem a opinião pública poderia se manifestar.
Com a provável exceção dos estúpidos 55% da população brasileira que acham que democracia não é indispensável, todos conhecem a frase de Sir Winston Churchill: ”A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos.” E a de Ulysses Guimarães, que disse que “A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes.”
Só na democracia é possível criticar até mesmo a própria democracia – e, de Saramago e Bernard Shaw até ao Marquês de Maricá, há comentários derrogatórios a ela em suficiente quantidade. Mas eu fico com Goethe: “A democracia não corre, mas chega segura ao objetivo.”
Artigo publicado também na revista Entrelagos de Brasília