A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.
Ulisses de Souza
Batismo de fogo
Comecei a trabalhar na Folha de S. Paulo no início de novembro de 1975, pouco mais de uma semana depois do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido no dia 25 de outubro nas dependências do DOI-CODI do II Exército. A Redação, que respirava medo e paranoia, era um verdadeiro caldeirão, pronto para explodir. Os jornalistas não admitiam a versão divulgada e mantida pelo governo federal, segundo a qual Vlado, como era conhecido entre os amigos, teria se suicidado.
Eu, até então um funcionário do Banespa e modesto aluno da Cásper Líbero, me senti no olho de um furacão. Perseu Abramo, sociólogo, professor, jornalista, e meu editor, foi um extraordinário baluarte na resistência à ditadura militar. Participou ativamente, ao lado do Sindicato dos Jornalistas, das atividades montadas para provar que Vlado fora assassinado.
Foi aí que iniciei minha militância política. A mobilização começou com reuniões diárias no Sindicato até a realização do Culto Ecumênico na Igreja da Consolação, que reuniu cerca de 8 mil pessoas em 31 de outubro de 1975. Foi quando a sociedade civil começou a romper a barreira do medo. E nós, jornalistas, fomos a bucha que o canhão necessitava para abrir o caminho que levaria à redemocratização do País.
No mural da Redação da Folha foram afixadas várias laudas de depoimentos de jornalistas que estavam presos quando Herzog chegou ao DOI-CODI. Os depoimentos de Sérgio Gomes, o Serjão, e de Rodolfo Konder (5 de abril de 1938 – 1º de maio de 2014) desnudavam a tortura política no Brasil. Esses testemunhos foram confirmados oficialmente três anos depois e serviram para sepultar de vez a farsa do suicídio do Herzog.
Fui um dos 1.004 jornalistas signatários, em janeiro de 1976, do manifesto Em Nome da Verdade, que denunciava a farsa do IPM (Inquérito Policial Militar) sobre a morte de Vladimir Herzog e exigia o esclarecimento do crime. Nenhum jornal se dispôs a publicar o documento. A única inserção, no jornal O Estado de S. Paulo, foi paga, e, como tesoureiro do Diretório Acadêmico da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, não me atemorizei em apor minha assinatura no cheque referente à maior contribuição. Foi meu batismo de fogo.
(Trecho do livro Antes que a memória falhe. Histórias dos bastidores do jornalismo que merecem ser contadas, publicado pelo autor em 2016.)
1/2/2021.