Esta é a primeira vez que o Brasil está no banco dos réus numa corte internacional por violações de direitos de povos indígenas.
O povo indígena Xucuru denunciou o Estado brasileiro nesta terça-feira à Corte Interamericana de Direitos Humanos por ataques e violações, principalmente contra o direito à propriedade coletiva de seu território, de aproximadamente 270 quilômetros quadrados.
Durante uma audiência na Cidade da Guatemala, onde a Corte realiza um período extraordinário de sessões, as supostas vítimas relataram como o Estado teve uma demora de 16 anos, entre 1989 e 2005, no processo administrativo de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação das terras e territórios ancestrais, no município de Pesqueira, no estado de Pernambuco.
Também é denunciado um atraso no saneamento total dessas áreas, assim como a suposta violação dos direitos às garantias judiciais como consequência do alegado descumprimento do prazo razoável no respectivo processo administrativo, assim como a suposta demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas com relação às terras.
Um dos caciques do povo Xucuru, que se identificou com o nome de Marcos, relatou à Corte, presidida interinamente por Eduardo Ferrer, que desde que começou a luta de seu povo, há mais de 30 anos, ocorreram vários assassinatos, muitos deles ainda sem resposta.
Segundo o testemunho do representante do povo, de 38 anos, desde criança, ele e outros seguiam de “aldeia em aldeia” para tentar recuperar e unir a identidade do povo, “disperso por medo e porque era perseguido”, pois vários integrantes foram “assassinados” ou “esquartejados vivos” só pelo fato de falar em sua língua materna.
Esses são alguns dos exemplos de discriminação e violação denunciados. Segundo o cacique, o processo de demarcação empreendido continua por esse caminho, sem valorização da luta e do sofrimento de um povo que ele tem na memória, assim como o assassinato sofrido pelo pai.
A defesa das supostas vítimas argumentou que este caso é “emblemático” e disse que revela a estrutura do Estado do Brasil, que ainda na atualidade não exerce a proteção que deveria aos povos originais, mas tenta “sufocar a luta” vulnerando direitos como a propriedade coletiva.
Um grupo de pessoas não indígenas ainda ocupa o território ancestral e supostamente de forma pacífica, segundo as testemunhas do Estado do Brasil, embora o cacique tenha dito que elas não tiveram a aprovação dos Xucurus e tenham feito uma ocupação violenta.
O perito Christian Teófilo da Silva, proposto pelo Estado, relatou que a relação entre indígenas e não indígenas é pacífica e contou que o governo brasileiro cumpriu pouco a pouco com suas obrigações. De acordo com o especialista, atualmente há nove centros de saúde e 36 escolas dentro do território indígena.
Os representantes do Estado garantiram que “não há atraso”, nem insegurança jurídica nem violação aos direitos desta população e asseguraram que o país foi um dos primeiros a reconhecer os povos indígenas.
Após as alegações das duas partes envolvidas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que recebeu o caso em 2002 e não emitiu seu relatório final até 2016, disse que não há motivos fundamentados para argumentar a demora do Estado e reiterou que é uma obrigação dos governos a demarcação, o reconhecimento e o saneamento desses espaços.
A CIDH lamentou que duas ações judiciais interpostas por pessoas não indígenas sobre o território, uma em 1992 e outra em 2002, ainda estejam sem resolução e afirmou à Corte que este é um caso importante para “estabelecer os processos de demarcação e titulação” para respeitar a propriedade coletiva.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos definiu o dia 24 de abril como data limite para que as partes apresentem as alegações e observações finais por escrito.