05/06/2023

1 ano sem Dom Phillips e Bruno Pereira: Estado brasileiro deve respostas efetivas

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Neste primeiro aniversário de morte do jornalista britânico e do indigenista brasileiro, organizações de defesa da liberdade de expressão e imprensa cobram responsabilização dos envolvidos no crime e segurança para comunicadores e defensores na Amazônia

Há um ano, em 5 de junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram em uma emboscada no rio Itacoaí, nos limites da Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas, na região da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Dez dias depois, seus corpos foram encontrados esquartejados, queimados e escondidos na floresta. Desde então, as respostas que o Estado brasileiro deu a este bárbaro crime e para a situação de extrema insegurança em que vivem povos indígenas, defensores de direitos humanos e comunicadores que atuam na Amazônia é insuficiente.

Se é verdade que 12 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público Federal pelos crimes de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal, os maiores avanços no processos de responsabilização se concentraram em alguns executores mais diretos. No entanto, a não repetição de casos como o de Dom e Bruno exige que se nomeie e responsabilize todos aqueles que se beneficiaram de suas mortes e que têm interesse em silenciar os defensores que lutam pela proteção do território do Vale do Javari.

Mesmo em relação aos réus presos, o processo não tem sido conduzido de forma diligente, já que no último dia 16 de maio, por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF1), a pedido da defesa dos réus, o processo voltou à fase de instrução, para ouvir novas testemunhas.

Enquanto isso, pelo menos 11 defensores e comunicadores/as indígenas seguem sob alto risco. Apesar de terem sido incluídos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), as medidas oferecidas pelo Estado brasileiro não são capazes de responder às ameaças que têm recebido e à violência que impera na floresta amazônica.

Os obstáculos para o acesso à justiça nesses casos e o cenário de risco para defensores e comunicadores locais é também alvo de medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Brasil responde hoje perante ao mais importante órgão regional de proteção e promoção de direitos pela integridade física e garantia de não impunidade nesse caso emblemático. O governo brasileiro, entretanto, tem resistido à instalação de um mecanismo inédito para o seguimento conjunto, entre o Estado brasileiro, a sociedade civil e a CIDH, do cenário de violência na floresta e das medidas adotadas pelo país para assegurar que fatos similares não voltem a se repetir.

De acordo com dados do “Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia”, iniciativa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), desde a morte de Dom e Bruno foram registrados 62 casos envolvendo jornalistas, equipes de reportagem inteiras ou meios de comunicação como um todo. Destes, foram 13 ameaças (incluindo de morte), 3 invasões ou atentados contra a sede de veículos de mídia e 1 jornalista foi alvo de tiros. Cerca de 57% dos agressores são agentes privados, entre eles manifestantes de extrema direita; membros do crime organizado e empresas mineradoras, de garimpo, do agronegócio e de turismo.

Reportagens produzidas na investigação internacional colaborativa do Projeto Bruno e Dom, coordenado pelo consórcio francês Forbidden Stories, revelou as complexas relações de poder na região de Atalaia do Norte. As investigações produzidas pela Abraji durante um ano de apuração também mostram que os clãs dos assassinos confessos da morte de Dom e Bruno recebiam seguro defeso há dez anos — um benefício federal pago para garantir a subsistência dos pescadores no período de piracema. O fato contradiz a defesa de que a fiscalização feita por Bruno teria levado ao desespero financeiro da família. A série de reportagens exalta o legado às vítimas e prova que, mesmo que ataquem o mensageiro, a mensagem continuará a ser propagada.

Nesta triste data para o jornalismo, para os defensores do meio ambiente e para o direito dos povos indígenas, conclamamos o Estado brasileiro a se empenhar efetivamente para responsabilizar todos os envolvidos nos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira. Em especial, reforçamos a importância do exercício do jornalismo por Dom Phillips ser considerado uma das hipóteses para sua morte — algo que, até hoje, não figura nos inquéritos da Polícia Federal sobre o tema.

Ao mesmo tempo, exigimos que seja garantida, imediatamente, proteção eficaz aos defensores de direitos, povos indígenas e comunicadores/as do Vale do Javari, sob risco de novas tragédias se concretizarem na região. Uma sociedade que não garante condições livres e seguras para o exercício da atividade jornalística, de defesa de direitos fundamentais e de seus povos originários está fadada a apagar seu passado e impedir a construção de seu futuro.

Sobre o processo contra os suspeitos de matar Dom e Bruno

A decisão do TRF1 tomada em maio teve como base o pedido da defesa dos acusados, de que suas testemunhas teriam sido injustificadamente indeferidas pelo juiz Fabiano Verli, da Vara Única da Subseção Judiciária de Tabatinga (AM). Ruben da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, foi apontado pela Polícia Federal em janeiro deste ano como mandante dos crimes, mas ele não será ouvido neste processo. Está detido por usar documentos falsos.

Já no dia 19 de maio, a Polícia Federal pediu o indiciamento do ex presidente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier, por homicídio e ocultação de cadáver no caso dos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira. Para a PF, ao não tomar medidas para combater as reiteradas ações criminosas no Vale do Javari, Xavier teria assumido o risco dos assassinatos acontecerem.

A Fundação recebeu inúmeros alertas sobre o cenário de risco na região e pedidos de proteção de sua equipe, principalmente após o assassinato do servidor Maxciel dos Santos, em 2019. Xavier dirigiu a FUNAI entre 2019 e dezembro de 2022, durante o governo Bolsonaro. Também foi indiciado Alcir Amaral Teixeira, coordenador-geral de Monitoramento Territorial, responsável pela segurança dos territórios indígenas e substituto eventual de Xavier no comando da FUNAI.

Assinam a nota:

Artigo 19 Brasil e América do Sul
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)
Associação de Jornalismo Digital (Ajor)
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
Instituto Vladimir Herzog (IVH)
Instituto Palavra Aberta
Repórteres Sem Fronteiras (RSF)
Tornavoz

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