2 de fevereiro de 2016
O deputado federal Jean Wyllys recebeu, nos últimos dias, críticas de grupos de esquerda de Israel e da Palestina, por ter visitado Israel para participar de recente seminário promovido pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Esses grupos, que apoiam a política BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra o Estado de Israel, condenaram Wyllys por aceitar o convite dos professores James Green e Michel Gherman, que organizaram o seminário “Brasil e Israel: Desafios Sociais e Culturais Contemporâneos”.
Há dois anos, em seminário sobre os 50 anos do golpe que implantou a ditadura no Brasil, organizado pelos mesmos professores, na mesma universidade, foi feita uma homenagem a Vladimir Herzog, razão pela qual o Instituto Vladimir Herzog foi também convidado a participar, ao lado de outros brasileiros.
Dois desses visitantes do Brasil foram Marlon Weichert, procurador regional da República e Paulo Abrão, secretário executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, presidente da Comissão de Anistia e ex-secretario nacional da Justiça. Ambos se manifestaram sobre as críticas a Jean Wyllys e o Instituto Vladimir Herzog apoia e transcreve a seguir seus comentários.
Comentários
MARLON WEICHERT
Procurador regional da República
Paulo Abrão escreveu importantes comentários [texto a seguir] sobre a discussão relacionada à visita de Jean Willys a Israel e à Palestina (é longo, mas recomendo fortemente a leitura). Em 2014 estive com ele e outros convidados em outro seminário na Universidade Hebraica e participamos de programa semelhante. Toda a atividade – desenhada por James N Green e Michel Gherman – enfoca o conhecimento de ambos os lados do conflito e, sobretudo, as violações de direitos humanos decorrentes da política de ocupação da Cisjordânia pelo governo de Israel.
Respeito a defesa do BDS (boicote). O tema não é fácil. Quando convidado, acreditei – como refere Paulo Abrão – que isolar os acadêmicos de esquerda que lutam internamente contra a política expansionista de Israel é equivocada. Ao contrário, seria preciso fortalecer redes de resistência, como aquelas que ajudaram os dissidentes políticos no Brasil e nos demais países do cone sul durante as ditaduras militares. Por isso, além de participarmos do programa formal na Universidade Hebraica, iniciamos o diálogo com a Universidade palestina de Al-Quds, bem como políticos e ativistas de direitos humanos em Israel e na Palestina. Participei do programa, não me arrependo e apoio sua continuidade. James N Green e Michel Gherman são acadêmicos e militantes dos direitos humanos respeitáveis e respeitados. Não estão a serviço de quaisquer interesses governamentais.
Voltei da região, em 2014, com a clara impressão de que no Brasil não compreendemos integralmente a complexidade da situação e que somos vítimas de reducionismo e maniqueísmo. Voltei, ainda, com redobrada convicção de que as ocupações e o vergonhoso muro bem exemplificam a intolerância e o autoritarismo que caracterizam a política israelense em relação aos palestinos. Precisamos denunciar e lutar contra essas políticas. E apoiar aqueles que estão lá, no centro da disputa, enfrentando essas práticas, me parece um bom caminho.
Evidentemente que o debate honesto sobre o acerto dessa opção está sempre aberto. O que não faz sentido é afastar o debate mediante o recurso à desqualificação dos interlocutores.
A visita de Jean Willys a Israel é legítima.
PAULO ABRÃO
Secretário executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, presidente da Comissão de Anistia e ex-secretario nacional da Justiça
O boicote para impedir (ou desincentivar) visitas ao Estado de Israel deve alcançar também as açōes da resistência local israelense contrárias à ocupação da Palestina? O boicote deve condenar ao isolamento as resistências acadêmicas e intelectuais do país?
Essas são as perguntas que devem ser feitas ao se discutir a respeito da visita do deputado Jean Willys, em suas férias, à Universidade Hebraica.
O convite partiu de um grupo intelectual que, desde dentro do país (e pela esquerda), fazem um bom combate universitário ao pensamento único oficial do Estado de Israel, debatendo as contradições e incoerências da ocupação palestina, explicitando os equívocos dos radicalismos, advogando a pluralidade de pensamentos, mostrando as tragédias das escolhas do atual governo e, principalmente, defendendo a necessidade de se manter diálogos com a intelectualidade e as autoridades da Palestina para que nāo se percam as pontes possíveis e desejáveis de aproximação social, condição básica para a chance de algum processo de paz.
Esse específico grupo politico-intelectual da Universidade Hebraica está entre os últimos remanescentes que ainda resistem às pressões ostensivas e a um tipo de assédio moral sistemático de outros colegas acadêmicos para que serem rompidos, de forma definitiva, quaisquer diálogos e contactos com outros grupos intelectuais e políticos palestinos.
Já foram convidados deste ‘programa acadêmico de resistência’ alguns brasileiros: cineastas, juristas, dirigentes de organizações nāo-governamentais de direitos humanos, intelectuais e, desta vez, um parlamentar.
A agenda inclui debates críticos e plurais na Universidade Hebraica com estudantes e professores, visita à Palestina e à universidade Al-Quds, visita a líderes políticos, intelectuais e partidos políticos da esquerda israelense, deslocamentos ao muro da vergonha, visita a lugares de memória e consciência sobre o holocausto e sobre a luta da causa palestina, atividades de escutas e expressōes de solidariedade.
Eu pude estar em uma destas ocasiões. Na época, a visita resultou na articulação posterior de um seminário inédito realizado no Brasil (em Sāo Paulo e no Rio de Janeiro) que permitiu sentar estudantes e professores das duas universidades, Hebraica de Jerusalém e Al-Quds, em condições de igualdade na mesma mesa de diálogos. Um fenômeno atualmente quase impossível de ocorrer localmente virtude do crescente radicalismo. O diálogo centrou-se na oportunidade de se dar voz às juventudes sobre o futuro das religiōes, da politica, da economia e das relações internacionais entre palestinos e israelenses.
É claro que a visita de Jean reveste-se de um impacto diferenciado em relaçāo a dos demais pois se tem exigido a adesāo ao BDS (boycott, divestment and sanctions), especialmente de relevantes personalidades públicas (além de governos e empresas), como é o caso.
De todo modo, falar seriamente em boicote à atual política de Israel significa, sim, recusar-se a participar de açōes que dêem sustentação estrutural ao modelo e ao grupo político que promove as graves violações aos direitos humanos do povo palestino mas também significa, primordialmente, ajudar a empoderar a resistência a esse modelo.
Independentemente da validade do uso de bloqueios e a sua eficácia (essa é uma outra discussāo) nenhum bloqueio poderia ser absoluto a ponto de deixar de se manter açōes relacionais com a oposição e a resistência, especialmente a acadêmica, inclusive dentro do próprio Estado de Israel.
Se a concepção do bloqueio inclui sacrificar e penalizar a resistência local a ponto de se estrangular debates acadêmicos que permitem a emergência de uma crítica ao pensamento oficial, de se restringir um espaço onde se constrói alternativas de conhecimentos para formar uma juventude que poderá vir a transformar a atual realidade, entāo desistimos da política e da esperança. Poderíamos imaginar o que teria sido o boicote à Africa do Sul do apartheid se tivesse sido acompanhado de um concomitante isolamento das formas de resistência ao regime?
Participar de um programa dessa natureza assume sentido diametralmente diverso, por exemplo, ao epsódio do show de Caetano e Gil por aquelas bandas. A viagem de Jean a este programa é uma açāo política contra uma forma de opressāo, já o espetáculo, por sua vez, foi ato comercial no circo cultural local. Nestes termos, vale fugir das simplificaçōes, pois participar ou apoiar atividades de resistência nāo pode ser visto como “furo ao bloqueio”.
Nas diversas críticas à visita em si, há algumas que sāo incoerentes ou seletivas (curiosa, por exemplo, a indignação condenatória dos que –como eu – apóia o governo brasileiro que, sejamos francos, mantém laços econômicos com Israel, incluída aí cooperaçāo militar), há outras manifestações que replicam preconceitos e pré-juízos e até a destilaçāo de rótulos estigmatizantes sobre a militância dos outros (sob a pretensão do domínio verdade).
Essa escandalizaçāo feita pela esquerda desta viagem de Jean Willys para apoiar a resistência acadêmica em Israel, mais parece um erro político e uma perda da memória da esquerda no Brasil.
O erro político de difamar de modo inquisitório e apressado um dos mais importante lutadores atuais do Brasil contra as repressões e mazelas da nossa democracia inacabada. É um erro julgá-lo terminativamente sem considerar as circunstâncias, as peculiaridades e o caráter da visita.
Já a perda de memória parece ocorrer ao nāo se lembrar que a resistência brasileira também dependeu de solidariedade internacional para vencer a ditadura. Uma solidariedade articulada por dentro e por fora do país. A propósito, um dos personagens que veio ao Brasil para apoiar e resistir ao lado das organizações sociais durante a nossa ditadura é, nāo por acaso, um dos protagonistas deste grupo de intelectuais que estão na Universidade Hebraica organizando esta “resistência acadêmica por dentro”. James Green e seus colegas sabem muito bem o que estāo fazendo e onde pretendem chegar com essa agenda de trabalho. James conhece na pele (e no coração) os efeitos e os riscos do ato de coragem de se entrar num país repressor e reverberar discursso e apoio à luta contra o poder.
Convidar Jean Willys foi um gesto de coragem desse grupo intelectual em Israel. Ao elegerem um parlamentar brasileiro para estas atividades, escolheram um deputado de esquerda, uma voz das minorias, um defensor das religiōes afrodescendentes, um combatente defensor dos direitos humanos. Uma presença considerada subversiva para parte dos valores dominantes locais.
Jean Willys, por sua vez, aceitou cumprir essa agenda e tem socializado as suas experiência em relatos expostos nas redes sociais. Nestes relatos ele expressa opiniões, aprendizados, percepções e emite alguns juízos sobre o conflito histórico.
Sobre o conteúdo destes relatos, as pessoas podem e devem debatê-los, de forma racional. É mais que legítima a formaçāo de juízos sobre as coerências argumentativas, as precisōes conceituais ou sobre as reaçōes do próprio às críticas postadas em seus perfis. Afinal, tratou-se de uma escolha do homem público disponibilizá-los e, como diz o jargāo popular, quem está na chuva é para se molhar.
Mas vale diferenciar o debate no marco de uma discussāo livre, franca e aberta sobre o mérito das idéias expressas pelo parlamentar e sobre uma temática complexa, daquelas discussōes atinentes à condenaçāo da visita em si, no contexto de um programa de apoio à resistência local.
Em resumo, condenar governos autoritários e, ao mesmo tempo, solidarizar-se ativamente com a sua resistência interna é uma fórmula política legítima que nunca deveria ser abandonada pelas esquerdas. “