Roldão Arruda
No início da década de 1970, quando comecei a trabalhar como jornalista, havia um sinistro quadro de avisos na redação daFolha de Londrina. Eram afixados ali, com percevejos de latão, telegramas do Departamento de Censura da Polícia Federal. Lacônicos e brutais, constituíam uma longa lista de temas interditos. Não estavam autorizadas denúncias de corrupção. Se a Anistia Internacional divulgava no exterior uma lista com nomes de opositores da ditadura presos, torturados e desaparecidos, o telegrama da polícia chegava à redação antes da notícia.
Já em 1977, quando soube que o deputado federal Alencar Furtado, cassado por criticar a brutalidade do sistema, estava de passagem por Londrina, corri até o hotel onde se hospedava, para uma entrevista. Nunca consegui publicá-la, porque as declarações dele estavam proibidas.
No final da década o quadro começou a mudar. Com muita luta, iniciou-se o a reabertura democrática. De lá para cá tivemos uma anistia política e uma assembleia constituinte, garantimos aos analfabetos o direito ao voto e elegemos de maneira direta quatro presidentes, entre eles um intelectual de alta envergadura e um ferramenteiro de origem nordestina. A imprensa nunca teve tanta liberdade para investigar e denunciar atos de corrupção como tem hoje. O Judiciário deixou de ser um poder intocável. As Forças Armadas estão cada vez mais restritas ao seu papel constitucional. A transparência tornou-se a palavra do momento.
Conseguimos avançar nesse período democrático apesar das cassandras que a todo momento nos advertiam sobre os riscos ocultos atrás das mudanças. A anistia faria o país retroceder, a eleição direta era prematura, a Constituinte levaria o País ao caos, a eleição de Lula arrasaria a economia.
Lembrei de tudo isso assistindo hoje pela manhã à cerimônia de instalação da Comissão da Verdade, que vai investigar fatos ocorridos durante a ditadura militar. Tive um momento de orgulho de meu país ao ver os ex-presidentes reunidos com Dilma Rousseff e os chefes militares sentados na plateia. Posso ter críticas a cada um deles, mas naquele momento olhei os cinco como representantes institucionais do Estado brasileiro e do período democrático que, apesar dos trancos e barrancos, já dura 27 anos – o mais longo da história do País. Lembrei que esse tipo de encontro é comum nos Estados Unidos e em outros países que admiramos pela suas regras democráticas.
No momento em que a presidente Dilma homenageou os que lutaram pela restauração da democracia, também lembrei do quadro sinistro no jornal londrinense onde tive meu primeiro emprego. Espero que a Comissão da Verdade tenha um papel educativo, para evitar que os telegramas, que hoje provavelmente seriam e-mails, nunca mais façam parte da rotina das redações.