Na oportunidade da mudança da capital federal para Brasília, concederam-se aos membros dos três poderes da República facilidades que, ao tempo, faziam-se necessárias pela precariedade das condições de uma cidade que nascia, praticamente do nada.
No que respeita à fixação de servidores públicos, construíram-se conjuntos de apartamentos e moradias, concederam-se também outras vantagens para tantos quantos, meros funcionários, ministros de Estado e dos tribunais superiores, parlamentares e membros do “staff” governamental, tiveram que se deslocar da antiga capital, para exercer suas funções na cidade que se ia montando no planalto central.
Contudo, passados tantos anos, cerca de meio século, já seria tempo de se fazer um reestudo dessa questão, pois, nos dias de hoje, Brasília é uma cidade na qual se pode viver confortavelmente: dispõe de uma infraestrutura urbana bastante razoável, com amplas avenidas, parques, clubes, hotéis, hospitais, “shoppings”, teatros, cinemas, restaurantes, escolas, uma excelente universidade pública, enfim, tudo o que uma cidade moderna pode oferecer a seus habitantes.
Ora, quando o governo federal situava-se no Rio de Janeiro, de perguntar-se se os parlamentares eram premiados pelas mesmas mordomias de que hoje desfrutam, como habitação gratuita, escritórios em seus Estados de origem, passagens aéreas para manterem contato com seus eleitores e outras mais. Na chamada velha república, os parlamentares residiam no Rio de Janeiro e até mesmo pelas dificuldades de transporte, não debandavam da sede do governo às quintas feiras , para retornar às terças Ali viviam, segundo se presume, às suas custas, e participavam das atividades inerentes a seu mandato com maior espírito público. É claro que poderiam haver distorções, mas, se haviam, não se comparam com aquelas que , nestes anos, presenciamos. Hoje, os trabalhos parlamentares iniciam-se nas terças e terminam ao meio dia das quintas feiras ! Há, então, uma verdadeira debandada para os Estados, às custas dos cofres da União. Se é lícito, o que é discutível, que os parlamentares, membros do Executivo e do Judiciário, quando devem residir em Brasília, o façam às custas do erário público, então, pelo menos, que ali permaneçam e se desejam ou precisam retornar a seus Estados, que o façam por sua própria conta. Que sejam remunerados dignamente, sem dúvida, mas o que se pode tolerar é o sistema atual, facilitador das fraudes a que poucos se escaparam de cometer.
A obrigatoriedade da residência na sede do serviço, seja ele qual for, é uma decorrência da própria natureza do serviço a ser prestado. Da mesma forma que um juiz ou um promotor não podem morar fora de sua comarca, os legisladores não podem residir fora da sede do respectivo parlamento.
Uma reforma política que deixe de lado essa questão, buscando, na manutenção de um status quo que se procura alargar mediante a votação em lista fechada e o financiamento público das campanhas eleitorais, constitui-se, sem dúvida, em mais um clamoroso acinte à opinião pública que não estará sendo lixada apenas na sensibilidade dos eleitores, mas na construção de uma democracia representativa, a qual ainda não alcançamos.
A representação popular, praticamente inexiste, pois a iniciativa dos cidadãos no processo legislativo, mediante a iniciativa do povo, na forma pela qual está escrita na Constituição, ali está apenas para constar, porque as dificuldades são tantas para alcançar esse desiderato, veja-se, trata-se apenas de mera apresentação (artigo 61, parágrafo 2 ), que se pode contar nos dedos de uma só mão o numero de projetos populares apresentados ao Congresso, por entidades da sociedade civil.
Alem do mais, que autoridade moral têm hoje os poderes da República para propor uma reforma política, depois do episódio do mensalão e após as reiteradas apropriações do dinheiro público em benefício de parentes, amigos e correlegionários; ou de decisões judiciais que contemplam o interesse dos mais ricos e permitem, mediante uma interpretação supostamente autêntica das leis, a substituição de governadores eleitos por quem não tem direito à substituição e não querem ver, permitindo, a antecipação de uma campanha eleitoral totalmente fora de propósito ?
A única possibilidade para que se chegue a uma solução está na mobilização da sociedade civil pelos setores que ainda não se deixaram contaminar pela corrupção que se espraia pelo País, para que seja feita a limpeza necessária nas instituições públicas, porque, caso contrário, o afundamento a que estamos assistindo, do Estado Democrático, irá propiciar soluções personalistas que acabarão por resultar naquilo de pior que possamos imaginar.
Sobretudo, O Parlamento precisa ser enxugado e revisto o sistema de representação popular, de sorte a aperfeiçoar-se o princípio da própria representatividade, instituindo-se a proibição de um terceiro mandato consecutivo, para que o parlamentar não transforme a cadeira que lhe foi concedida pelo voto popular em mero emprego em proveito próprio.
Alguma coisa tem de ser feita com urgência, pois aí estão as eleições do próximo ano que, se de um modo podem concorrer para a moralização dos poderes da República, de outro, se continuarmos a permitir a prevalência do poder econômico na escolha dos representantes do povo, curta será a nossa caminhada para a construção do sonhado Estado Democrático, ideal que ir-se-à desfazer na mãos daqueles que se impõem pela demagogia e chafurdam na corrupção e na violência.
Hélio Bicudo