28/04/2014

Precisamos de uma Carta Magna para a internet

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Estes comentários foram adaptados de uma palestra feita na conferência Net Mundial no Brasil em 23 e 24 de abril.

Vinte e cinco anos atrás, quando a Internet funcionava havia 20 anos, existia o correio eletrônico, o noticiário na Internet e o login remoto, mas não havia a web — sites, páginas, links. Então eu inventei a World Wide Web. Conforme o projeto cresceu, precisei de colaboradores. Para tanto, procurei a comunidade técnica da Internet.

Especificamente, fundei o Consórcio World Wide Web (W3C), uma organização dedicada a multitarefas que desenvolve padrões abertos para garantir o crescimento da web em longo prazo. A W3C atua em diferentes aspectos da tecnologia da Internet com diversas organizações, incluindo a Força-Tarefa de Engenharia da Internet, ECMA/TC39, IANA e Icann.

Espero que todos concordem que fizemos um trabalho razoável. A web, e sua estrutura subjacente de Internet, foram um enorme motor de crescimento e entendimento para a sociedade. Foi a colaboração entre essas organizações dedicadas a multitarefas que a tornaram possível.

Nossa comunidade técnica conseguiu essa contribuição com pouca supervisão dos governos. Na verdade, nossa visão de “OpenStand” é que a maneira certa de construir uma infraestrutura técnica para a sociedade é por meio de grupos técnicos multitarefas em que as decisões são tomadas no interesse público e baseadas no mérito técnico. A discussão está aberta. Há documentos disponíveis de graça na web. Na W3C, especificamente, as empresas se comprometem a não cobrar royalties dos que implementarem o padrão quando emergir.

A web precisa continuar sendo um sistema que existe sem levar em conta fronteiras nacionais. Hoje, a maioria do trabalho já é feito na comunidade técnica não nacional da Internet. Também fiquei feliz ao saber que o Icann está iniciando um diálogo para criar um processo de revisão entre diversos atores para substituir o governo dos Estados Unidos. Isso é adequado porque o Icann atende aos interesses do público global.

Para mim, isso significa que quando uma decisão é tomada sobre um possível novo domínio de alto nível, o trabalho do Icann é elucidar, de maneira transparente e responsável, se é realmente do melhor interesse do mundo todo, e não apenas dos que estão lançando o novo domínio.

Significa também que os fundos do Icann deveriam ser gastos de maneira benéfica, como apoiar a padronização, enrijecer a segurança e internacionalizar a tecnologia; acessibilidade e redução da lacuna digital.

A Internet prosperou mediante o empoderamento de pessoas capazes, de espírito público: inicialmente da comunidade técnica e da academia, e mais recentemente também do setor privado em geral, da sociedade civil e dos governos. Precisamos de um sistema de governança da Internet que permita que cada comunidade traga suas forças particulares à mesa comum, mas que não permita que algumas delas coloquem seus próprios interesses acima do bem público.

Cinco anos atrás, fundei uma organização chamada Fundação World Wide Web para garantir que a web é a web que queremos, e que todo mundo possa se conectar e usá-la livremente.

A web tornou-se uma utilidade pública essencial. Grande parte de nosso pensamento tradicional sobre direitos humanos, é claro, se aplica diretamente a tudo na Internet. Novas coisas também se tornam importantes:

  • A neutralidade da Internet significa manter a rede livre de discriminação, seja comercial ou política. A explosão inovadora que aconteceu em toda a web nos últimos 25 anos só aconteceu porque a Internet foi neutra. O sentido inovador social de possibilidade de entendermos uns aos outros e vivermos em paz depende de uma Internet aberta.
  • A liberdade de expressão é um direito crucial, mas tem de ser acoplado a um direito complementar à privacidade. A vigilância em massa talvez represente a mais imediata e mais insidiosa ameaça aos direitos humanos online.

É ótimo estar novamente no Brasil. Não apenas porque o Brasil é um país maravilhoso e sempre teve um vibrante senso de oportunidade com a Internet. Mas especialmente hoje, quando celebramos a aprovação pelo Senado brasileiro do Marco Civil da Internet — um exemplo muito bom de como os governos podem ter um papel positivo no avanço dos direitos da web e para manter a web aberta. [Essa chamada “Constituição para a Internet” garante a privacidade, a neutralidade da web e a livre expressão.]

É claro que os europeus também estão comemorando a aprovação pelo Parlamento Europeu da legislação que protege os direitos dos usuários da Internet, incluindo uma espécie de neutralidade da Internet.

Esses dois dados significam que estamos fazendo progressos.

Mas temos um enorme caminho a seguir.

Os princípios dos direitos humanos na Internet são novos e não são aceitos universalmente. A web torna-se cada vez mais excitante com o avanço da tecnologia, mas 60% da população ainda não podem usá-la. Enquanto a web dá às pessoas cada vez mais poder, individual e coletivamente, muitas forças estão abusando ou ameaçam abusar da Internet e de seus cidadãos.

A web que teremos daqui a 25 anos não está de modo algum clara, mas cabe completamente a nós decidir como queremos fazer essa web, fazer esse mundo. É por isso que estou pedindo aos usuários da web em todo o mundo para definir uma Carta Magna para a Internet. É por isso que peço aos países do mundo inteiro que sigam o exemplo do Brasil e desenvolvam leis positivas para proteger e expandir os direitos dos usuários a uma web aberta, livre e universal.

 

Tim Berners-Lee

Inventor da World Wide Web; fundador da World Wide Web Foundation

Brasil Post

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