Como articulista não gosto de escrever na primeira pessoa. Mas este é um caso adequado para isso. Eu era muito jovem, 28 anos, e assumi o cargo de editor da Economia da Folha naquele ano do assassinato de Vladimir Herzog, 1975. Considero que a coleta de mais de 1 mil assinaturas naquela época, quando a internet nem era sonhada, foi uma façanha e um ato de grande coragem.
As novas gerações não sabem o que era viver com medo. Medo de amanhecer numa prisão cheia de torturadores sem saber do que estava sendo acusado. Uma denúncia de um dedo-duro podia ser o fim, literalmente. Foi o que ocorreu com o Vlado, como o chamávamos.
Bastava ter um livro de Marx na estante ou um poster de Che Guevara no quarto.
A morte de Vlado foi um sinal para toda a sociedade de que o País não podia mais caminhar na contramão. Havia nas classes dominantes (empresários) a ideia de que, se a economia estivesse bem, era possível suportar um regime político ditatorial. Mutatis mutandis, algo parecido com a história do atual Posto Ipiranga no início do governo autoritário de Bolsonaro.
O documento para assinatura do manifesto tinha que passar de redação em redação, de mão em mão. Assinei-o porque havia no País uma “fome de democracia”. Eu nunca havia votado para presidente da República nem para governador, o que só acabou ocorrendo quando fiz 41 anos.
Depois do caso Vlado, que expôs claramente a brutalidade do sistema, a ditadura foi cedendo. Mas restariam ainda longos dez anos de luta insana e corajosa. É triste que muitos jovens de hoje não tenham noção do que aquela geração fez para que hoje tenhamos essa democracia, ainda capenga. Muitos deram a vida, como Vlado.
7/5/2021.