01/02/2021

Nelson Blecher

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A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.

Nelson Blecher

Nós, judeus, trabalhamos demais. É preciso encontrar outras atividades, se divertir. A vida é curta.” Bebíamos um café na lanchonete da TV Cultura quando Vlado Herzog soltou essa. Para mim, um jornalista de 23 anos, a recomendação não fazia muito sentido. Estava naquela fase de início de carreira, quando tudo que a gente queria era aprender com profissionais experientes. Ao menos era assim que minha geração pensava e agia nos anos de 1970. 

Tomei Vlado como mentor depois que Rodolfo Konder, meu professor na Faap, recomendou-me ao seu colega então editor de Cultura da revista Visão, muito respeitada à época. O primeiro contato já me impressionou. A mesa de Vlado na redação estava coberta de revistas, como a francesa Le Nouvel Observateur e a britânica Psycology Today. Ele me contou que havia trabalhado na BBC, em Londres, o que alimentou ainda mais minha admiração.

Educado, extremamente atencioso com o jovem interlocutor, Vlado me instruiu sobre as pautas que me daria como novo colaborador de sua editoria. Observador, percebi que ele dedilhava suavemente a máquina de escrever, o que combinava com seu jeito polido de ser – quando sob a pressão de tempo para executar uma tarefa levava a mão para coçar a cabeça. Já estava um tanto calvo. Pouco menos de dois meses depois surgiu uma vaga de redator no telejornal da TV Cultura, onde Vlado era o segundo em comando, liderado por Fernando Pacheco Jordão, e as aulas de jornalismo na prática prosseguiram. Minha relação com Vlado foi além disso. Conversávamos muito sobre a vida, eu gostava dele e de vez em quando dava carona até sua casa, em Pinheiros.

Certa vez convidou-me para entrar e me apresentou sua mulher, Clarice Herzog, que por alguns anos foi minha fonte nos tempos em que trabalhei na Folha de S. Paulo. Ela era responsável pelo Listening Post, pesquisa pioneira da agência Ogilvy que auscultava as consumidoras brasileiras a respeito de temas variados da conjuntura econômica. 

Eu já não trabalhava há muito na TV Cultura quando li no Estadão, atônito, sobre a morte de Vlado. Lembrei-me instantaneamente daquelas palavras que ouvira na lanchonete da TV Cultura (“Nós, judeus, trabalhamos demais…”), pouco mais de dois anos antes. Não poderia imaginar então que seu fim seria tão precoce, aos 38 anos, em outubro de 1975, naquelas circunstâncias dramáticas. Uma tragédia.  Assinei o manifesto em uma sessão do sindicato dos jornalistas. Vlado tornou-se uma marca indelével em minha formação – pela sua cultura, generosidade e caráter.

27/12/2020.

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