3 de julho de 2015
Apenas 24 horas após rejeitar a redução da maioridade penal, a Câmara dos Deputados voltou a analisar o tema e, na madrugada desta quinta-feira, 2 de julho, aprovou a mudança de 18 para 16 anos da idade penal no Brasil, no caso específico de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal com morte. Foram 323 votos a favor, 155 contra e duas abstenções. Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), eram necessários 308 votos. Para virar lei, o texto ainda precisa ser apreciado mais uma vez na Câmara e, depois, ser votado em outros dois turnos no Senado.
A diferença em relação ao texto rejeitado na madrugada anterior é que foram excluídos crimes de tráfico e roubo qualificado. A nova votação foi possível por conta de uma manobra regimentalmente ilegal, orquestrada, mais uma vez, pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro. Cunha recorreu a uma artimanha parecida com a adotada, no fim de maio, na apreciação da reforma política. Após ser derrotado na votação que tentou garantir o financiamento empresarial de campanhas, encontrou e aprovou uma proposta similar no dia seguinte.
A atitude, liderada pelo presidente da Câmara e corroborada por 323 deputados, representa um duro golpe à democracia. O que se viu nesse episódio, no plenário da Câmara, foi uma inaceitável violação ao regimento de uma instituição que deveria resguardar e propagar valores democráticos. Ao legitimar uma iniciativa inconstitucional por parte de seu presidente, a casa refuta conquistas históricas pelas quais, inclusive, o Instituto Vladimir Herzog, desde 2009, sempre lutou para preservar e expandir.
Como se não bastasse, a proposta de emenda constitucional em questão revela-se imprópria, uma vez que sugere, apenas, a culpabilização e a punição dos jovens e os submete ao sistema penitenciário brasileiro, que não tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Além disso, dados da Unicef indicam que apenas 1% dos homicídios registrados no país são cometidos por adolescentes entre 16 e 17 anos. Em números absolutos, isso equivaleria a algo em torno de 500 casos por ano, enquanto o total de homicídios registrados no país em 2012, ano-base dos números, foi de 56.337. Ou seja, a exceção não pode pautar a definição da política de combate ao crime, muito menos a adoção de leis, que devem ser universais.
A Constituição brasileira assegura direitos fundamentais como educação, saúde, moradia etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens. O adolescente marginalizado é fruto de um estado de injustiça social. Portanto, cabe ao Estado e às instituições, como a Câmara dos Deputados, corrigirem essas injustiças e elaborarem e aplicarem políticas públicas que assegurem os direitos previstos constitucionalmente – e não simplesmente criminalizar seus jovens.
O Instituto Vladimir Herzog repudia o ato antidemocrático do presidente da Câmara dos Deputados, defende uma política inclusiva e de valorização da educação para os jovens a fim de combater a criminalidade e reafirma seu compromisso de lutar pelo direito de todos à vida e à justiça.