A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.
Geraldo Hasse
AQUELA MANHÃ DE SÁBADO deveria ser um dia de descanso largado, após o extenuante fechamento da sexta à noite na redação da Veja. Devia ser perto do meio-dia quando alguém bateu na porta do ap. 21 da rua General Jardim, 712. Era Roberto Manera. Ele estava transtornado, foi entrando e disse: “MATARAM O VLADO!” Vlado? Eu nunca tinha ouvido esse nome. Vlado?!
Manera nem precisou explicar: de repente abre-se a porta do quarto da
frente e aparece, agitado, Jorge Escosteguy, o inquilino oficial do
apartamento (no qual eu morava provisoriamente havia dois meses).
“Vladimir Herzog, da TV Cultura!…” Vlado, um cara mais velho do que
nós três, mal chegando aos 30 anos. Muito conhecido em São Paulo, Herozg fora convidado a comparecer ao Doi-Codi do II Exército naquela manhã de sábado. Desprevenido, foi lá às 8 horas e… fomos saber dos detalhes no Sindicato dos Jornalistas, onde todo mundo se reuniu. Revolta geral com a versão militar de que Vlado se enforcara na cela. A foto do “enforcado” era um acinte, uma ignomínia. Mas saiu nos jornais e ajudou a unir a cidadania ferida.
O primeiro brado foi de Audálio Dantas declamando Castro Alves no cemitério:
“Senhor Deus dos desgraçados/dizei-me vós, Senhor Deus…” Uns dias depois tivemos o ato ecumênico na Sé, 10 mil pessoas vendo e ouvindo o arcebispo D. Paulo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo James Wrigth afrontarem as autoridades. Estávamos perdendo o medo quando, finalmente, correu o manifesto assinado por mais de 1 mil amigos e companheiros de uma das tantas vítimas da ditadura militar. Com a publicação do abaixo-assinado no Unidade [jornal do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo] e, depois, na imprensa – como matéria paga –, se iniciou o processo judicial que muitos anos depois resultaria na sentença declarando a União culpada pela tortura e morte de Vlado Herzog.
30/8/2020.