Por Gabriela Teixeira
“A concretude da reunião de lembranças, propósitos e valores”, escreve o jornalista Ronald Sclavi em seu artigo sobre a Praça Memorial Vladimir Herzog. Nem sempre, porém, foi assim. Por muito tempo, a área aberta localizada atrás da Câmara Municipal de São Paulo em nada esteve relacionada a Vlado ou à sua memória. Até mesmo seu nome era outro: Praça da Divina Providência.
Os primeiros passos para a transformação do espaço foram dados com a instituição da Comissão Nacional da Verdade. Iniciada em 2012, a investigação possuía uma versão em nível federal e também ramificações estaduais e municipais nomeadas em homenagem às vítimas das perseguições dos anos de chumbo. Foi assim que, com a devida autorização de Clarice Herzog e por sugestão da chefe de gabinete Laura Bernardes e do então vereador Ítalo Cardoso, a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de SP passou a levar o nome de Vlado.
A solicitação para homenagem se estendia também à praça situada atrás do Palácio Anchieta e levava ainda uma terceira proposta: que o artista plástico Elifas Andreato, de quem Ítalo era fã, criasse uma obra de arte para o espaço. “E assim, cinco dias depois da reunião deles com a Clarice, nós estávamos lá na Praça da Divina Providência e o Elifas começou a desenhar onde ficariam suas obras”, conta Sergio Gomes, jornalista e membro da Associação Amigos da Praça Vladimir Herzog.
Ao todo, Andreato assina 4 peças que ornamentam a praça:
- A tela “25 de outubro”, instalada em forma de mosaico em 2013, ano em que o espaço foi rebatizado como Praça Memorial Vladimir Herzog. Criada em 1979, a pintura é conhecida como “Guernica Brasileira” e denuncia a farsa montada pela ditadura para apresentar o assassinato de Vlado como suicídio;
- A escultura em bronze “Vlado Vitorioso”, que reproduz o Troféu Especial de Imprensa da Organização das Nações Unidas, marca as 4 décadas do assassinato de Herzog e também representa a vitória de sua geração contra o regime militar;
- Uma réplica do troféu Vladimir Herzog, peça em formato de meia lua que leva a silhueta de Vlado e é concedida aos vencedores do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos;
- 11 placas de vidro fixadas em abril de 2022 e que listam os nomes dos 1006 jornalistas signatários do manifesto “Em nome da verdade”, documento que questionava ponto a ponto o inquérito policial-militar sobre a morte de Vlado.
Além delas, a Praça conta ainda com a Escadaria da Liberdade, que cumpre o papel de arquibancada em dias de espetáculos e tem seus 17 degraus adornados por trechos do Hino da Proclamação da República que clamam que a liberdade abra suas asas sobre o povo. Em frente, o painel nos fundos da Banca-Livraria Jornalista Vladimir Herzog exibe um outdoor com fotos de momentos marcantes ambientados na praça. A partir de um projeto urbanístico desenvolvido pela Escola da Cidade, a Banca-Livraria passará a integrar essa área que compreende a escadaria-arquibancada e a calçada-palco, que justas formam o Centro Cultural a Céu Aberto Elifas Andreato.
Mosaicos em azulejos com cenas dos eventos que ocorrem todo mês, o Todo Mundo Tem que Falar e Comer!, decoram a passarela próxima à Praça.
Devido ao fato da administração da praça estar sob a responsabilidade do Legislativo, não é raro que projetos para o local esbarrem na burocracia ou na resistência de parlamentares contrários aos ideais que o memorial representa. Mas os entraves não são fortes o bastante para apagar a chama que move os Amigos da Praça e, para um futuro próximo, se estuda a instalação de uma lista com todos os vencedores do Prêmio Vladimir Herzog e outras obras de arte no Muro das Evocações, ao lado das placas do manifesto e do mosaico de Andreato.
O grande muro que abraça a Praça será também o local para a instalação de obras de arte do artista Aroeira. Os azulejos instalados neste local trarão os “personagens dessa história” de luta pela memória de Vlado e seu legado, pela democracia e liberdade.
A reformulação deste Centro Cultural deve torná-lo mais funcional, com melhor aproveitamento do espaço. Há planos de utilizar parte de um muro para projeção de slides e vídeos, e de outro para uma grande reprodução do ato ecumênico por Vlado, celebrado na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975.
Ivo Herzog também externa o desejo de utilizar parte do espaço para prover serviços públicos de alimentação e saúde para a população em situação de rua. “Praças são lugares que atraem pessoas de todas as gerações, são espaços de lazer no meio de cidades de pedra como São Paulo. E ao reunir objetos que contam a nossa história, a Praça Vladimir Herzog também tem uma função cultural e educativa”, diz ele.
Citando Walter Benjamin e Milton Santos, Sergio Gomes exalta a Praça não enquanto símbolo do passado, mas como realização de suas esperanças. “Do ponto de vista histórico, um lugar não tem importância pelos tijolos que estão lá, mas pelo que aconteceu ali. O que dá significado aos pontos fixos do mapa são os pontos móveis, as pessoas.”
Quem hoje passa pelo ponto fixo entre a Rua Santo Antônio e a Praça da Bandeira não passa apenas diante de mais uma homenagem a Vlado, mas de um memorial vivo da luta coletiva pelo futuro. Citando Ronald Sclavi novamente, “nada ali se faz sem que a memória seja celebrada, unindo datas, pessoas e esforços para celebrar a vida dessa geração que devolveu ao País a democracia e segue atenta na sua vigilância.”
Este texto faz parte da campanha “85 anos Vladimir Herzog: espaços de memória”. Pensada para celebrar a vida e a obra de Vlado, a ação enaltece lugares de memória que levam seu nome na capital paulista. A campanha, que recebe apoio do Itaú Cultural, também convida o público a conhecer mais sobre Vlado no Acervo Vladimir Herzog e inicia um mapeamento dos lugares de memória que levam seu nome em todo o Brasil. Se você conhece um lugar/espaço com o nome de Vladimir Herzog, envie as informações para o IVH neste formulário.