Por Gabriela Teixeira
O movimento estudantil brasileiro teve papel fundamental na resistência contra a ditadura militar. Por meio de manifestações, congressos e outros meios de mobilização, a juventude representava uma das principais forças de oposição ao regime, atuando ao lado de outros setores da sociedade comprometidos com a democracia, a justiça e os direitos humanos
Mas em 1978, quando Rivaldo Novaes entrou no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, a luta estudantil estava em fase de reconstrução. Dez anos antes, o decreto do Ato Institucional Nº 5 havia instaurado os chamados “anos de chumbo”, em que a repressão levou a um sufocamento e desarticulação dos movimentos de resistência. Foi somente em meados da década de 1970 que, a partir de uma reestruturação das organizações, os jovens voltaram a levar suas reivindicações para as ruas.
Já em seus primeiros dias de aula, Novaes teve contato com o movimento estudantil da Cásper. Ele e outros calouros foram informados de que o Diretório Acadêmico, departamento institucional que cuidava das demandas dos alunos, havia sido fechado pela diretoria da faculdade e que os estudantes estavam buscando novos meios de se organizar. Foi quando surgiu a ideia de criar um Centro Acadêmico.
“Eu era de Santos e não tinha experiência na militância, não era engajado. Mas, como muitos estudantes que vêm do interior e do litoral, cheguei em São Paulo com o sonho de ganhar o mundo”, relata ele sobre como se envolveu com a articulação de estudantes casperianos. A ideia do Centro Acadêmico foi ganhando força e, após uma assembleia, a chapa da qual Novaes fazia parte como tesoureiro foi eleita vencedora. Nascia então o Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH), batizado assim por unanimidade entre todos os grupos que concorriam.
Sobre a homenagem a Vlado, Novaes conta que houve uma resistência por parte da direção da faculdade, que achava que uma entidade estudantil deveria levar o nome da fundação. “Mas para nós estudantes, Vladimir Herzog era um mártir, um nome de extremo respeito. Alguns professores progressistas também adoraram e aderiram ao nome do Centro Acadêmico. Eles nos cumprimentavam e davam sua dose de ajuda, apesar de não poderem manifestar abertamente seu apoio. Outros, evidentemente, não gostaram.”
Para a cerimônia de posse, os alunos convidaram Clarice Herzog, o que também gerou um frisson. “Não tínhamos auditório, então usamos uma sala de aula e os estudantes ficaram sentados até no chão. Ela deu um depoimento muito emocionante. Infelizmente, naquela época não havia a facilidade de hoje para registrar fatos e fotografar tudo”, lamenta.
Clarice não foi a única visita ilustre naqueles primeiros meses de CAVH. Logo no 2º semestre de 1978, a gestão realizou debates políticos com candidatos das eleições marcadas para novembro. Também convidaram artistas e outras figuras públicas opositoras do regime para conversar com os alunos, realizaram semanas culturais e promoveram boicotes às mensalidades. Externamente, em parceria com os Centros Acadêmicos de faculdades como a PUC e a USP, participaram de assembleias e manifestações.
Quatro décadas depois, a nova geração de integrantes do CAVH mantém vivo o legado de seus antecessores. Representando casperianos dos cursos de Jornalismo, Rádio e TV, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas, o Centro Acadêmico leva sua atuação para muito além da sala localizada no 6º andar da Faculdade. Como exemplo, Thiago Baba, um dos presidentes da atual gestão, destaca o projeto “Universidade Vai às Urnas”, realizado com outras instituições públicas e privadas. “Fazemos uma conscientização sobre a importância das eleições, dos votos, e promovemos debates e eventos com candidatos”, explica.
Segundo ele, os valores deixados por Vlado estão presentes diariamente nas ações do CAVH. “Estamos sempre exaltando a memória dele. Trazemos essa luta em defesa da democracia, da liberdade de imprensa, dos jornalistas e da comunicação de um modo geral. Buscamos ter essa consciência do que Vlado representa para nós e do que queremos para o futuro enquanto entidade estudantil.”
Quanto a Rivaldo, a vida o afastou do jornalismo, mas não da luta política. Hoje fisioterapeuta e presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos, ele afirma que a politização que teve no CAVH o marcou para a vida toda. “Participei da fundação da CUT, do movimento Diretas Já, fui membro de sindicatos… Comecei aos 18 anos e hoje tenho 63, uma vida de bastante inserção política”.
Ele também se diz encantado por ver a nova geração dar continuidade à luta estudantil, sobretudo em um momento tão semelhante àquele em que o Centro Acadêmico foi fundado. “Temos gente que não gosta de democracia na presidência do país, temos militares ameaçando o processo eleitoral. Então os jovens precisam estar espertos, precisam se engajar como nós nos engajamos em 78. Nossa vida depende da liberdade e a luta por essa liberdade não tem preço, ela está acima de qualquer coisa.”
Este texto faz parte da campanha “85 anos Vladimir Herzog: espaços de memória”. Pensada para celebrar a vida e a obra de Vlado, a ação enaltece lugares de memória que levam seu nome na capital paulista. A campanha, que recebe apoio do Itaú Cultural, também convida o público a conhecer mais sobre Vlado no Acervo Vladimir Herzog e inicia um mapeamento dos lugares de memória que levam seu nome em todo o Brasil. Se você conhece um lugar/espaço com o nome de Vladimir Herzog, envie as informações para o IVH neste formulário.