Por Rogério Sottili, Diretor Executivo do IVH e Giuliano Galli, Coordenador da Área de Jornalismo e Liberdade de Expressão
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) divulgou, nos últimos dias, seu relatório anual sobre violência contra jornalistas e comunicadores no Brasil. Segundo o levantamento, foram 145 casos ao longo de 2021, o que representa uma média de 2,7 casos por semana e um número 21,69% maior do que o registrado no ano anterior.
O agravamento do cenário de ataques a profissionais da imprensa é corroborado por levantamentos de outras organizações, nacionais e internacionais, como Artigo 19, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Repórteres sem Fronteiras. Infelizmente, não há dúvidas: o Brasil se tornou um dos países mais perigosos do continente e do mundo para a realização da atividade jornalística.
O Brasil vive, já há algum tempo, um aumento crescente de discursos e práticas de ódio, não apenas contra jornalistas e comunicadores. As causas desta realidade são complexas, mas, em linhas gerais, é seguro dizer que o país não promoveu processos de elaboração coletiva dos momentos históricos de grande violência social, em particular o genocídio da população indígena, a escravidão da população negra e os regimes ditatoriais. Ao ignorar estas questões sem uma efetiva reparação social e política, o país se depara com uma crescente cultura de violência e discriminação que violam os direitos humanos, entre eles a liberdade de expressão.
E as violações à liberdade de expressão registradas no presente não encontram paralelo na nossa história recente; apenas em períodos pré-redemocratização. O Brasil vive, atualmente, uma epidemia de violência contra jornalistas e comunicadores. Em todas as regiões, em todos os estados e em cidades de diferentes realidades os números assustam e revelam um cenário absolutamente perturbador.
A conjuntura, que já era ruim, se agravou bastante nos últimos anos, em especial após a eleição de Jair Bolsonaro. E este agravamento está diretamente ligado à postura do presidente. Ele mesmo, pessoalmente, ataca de forma sistemática jornalistas, comunicadores e veículos de comunicação em geral. Mais do que isso, essa postura legitima e incentiva novos ataques por parte de seus familiares, ministros e apoiadores. Assim, o Estado, que deveria garantir a proteção e a segurança daqueles que promovem a livre-circulação de informações, é, na verdade, um dos principais agressores daqueles que efetivam o direito à liberdade de expressão.
Na maioria dos casos, independente do presidente, a violência à liberdade de expressão atinge repórteres, locutores de rádio, blogueiros e outros comunicadores que cobriam e investigavam tópicos relacionados à corrupção, políticas públicas ou crime organizado. A realidade é ainda pior em cidades de pequeno e médio porte, ao redor de todo o país, nas quais os profissionais estão em situações mais vulneráveis. De qualquer forma, pode-se dizer que é um problema estrutural, que reproduz causas históricas e transversais a diversos questões sociais do Brasil.
Qualquer possibilidade de transformação deste cenário passa, necessariamente, pela existência de políticas públicas especificamente voltadas à proteção da liberdade de expressão no país. Este tema não pode ficar restrito à atuação de organizações da sociedade civil, e precisa ser efetiva e amplamente apropriado pelos agentes do Estado em suas mais diversas esferas de atuação. A defesa da liberdade de expressão precisa – e deve – passar pelo combate à desinformação; por uma educação midiática; por uma transformação do jornalismo que o torne uma atividade mais plural e democrática; pelo fortalecimento das iniciativas de comunicação popular; pela criação de ferramentas de proteção a vítimas de violações; por campanhas de conscientização da sociedade em geral sobre a importância da atividade jornalística; pela investigação e punição daqueles que promovem ataques a jornalistas, comunicadores e veículos de comunicação, entre tantas outras medidas.
A questão é que este é um desafio global, que exige o esforço e a atuação de diferentes atores que, na prática, negligenciam este debate e, de certa forma, se beneficiam dos retrocessos na liberdade de expressão no Brasil e no mundo.
Ataques a jornalistas e comunicadores representam, na verdade, uma tentativa de silenciar e intimidar profissionais de veículos de imprensa cada vez mais fundamentais para a sociedade brasileira. Mais do que isso, trata-se de uma evidente e gravíssima violação à Constituição e ao Estado democrático de Direito, que infelizmente se tornaram comuns nos últimos anos.
O Instituto Vladimir Herzog presta solidariedade a todos os jornalistas vítimas de violações à liberdade de expressão, e se coloca à disposição para contribuir com a defesa de jornalistas e comunicadores para desenvolver novas iniciativas e acionar todas as vias legais para responder aos complexos e perigosos desafios que atravessamos.