01/02/2021

Adelto Gonçalves

Compartilhar:

A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.

Adelto Gonçalves

Em janeiro de 1976, quando assinei o manifesto “Em nome da verdade”, denunciando a farsa montada em Inquérito Policial Militar (IPM) criado a pretexto de apurar a morte de Vladimir Herzog na prisão do DOI-Codi, órgão subordinado ao Exército, eu tinha 24 anos de idade e trabalhava havia um ano como redator na redação do jornal O Estado de S. Paulo, que ficava ainda na Rua Major Quedinho, no centro da capital paulista. Já não me lembro quem me trouxe o manifesto para assinar, mas firmar aquele documento foi um gesto espontâneo e automático porque, entre os jornalistas, raros seriam aqueles que não estariam indignados e não carregavam a certeza de que Herzog havia sido assassinado.

Lembro-me muito bem daquele final de tarde em que a redação do Estadão ficou completamente vazia porque quase todos os jornalistas haviam se encaminhado para a Catedral da Sé a fim de participar do culto ecumênico em homenagem à memória de Herzog. É certo que haveria na redação alguns jornalistas que eram tidos como adeptos da ditadura, alinhados com a chamada “comunidade de informações”, que reunia órgãos de espionagem do governo, mas a maioria alinhava-se entre aqueles que defendiam a democracia. Tanto que muitos deles ajudavam o jornalista Marcos Faerman (1943-1999), que trabalhava no Jornal da Tarde, a colocar na rua o jornal alternativo Versus, que durou de 1975 a 1979.

Eu mesmo cheguei a enviar algumas colaborações para o Versus, a pedido de Faerman, que, em 1981, haveria de escrever o prefácio para o meu romance Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora). Aliás, depois da sessão de lançamento, no Rio de Janeiro, a edição seria recolhida à gráfica para que fossem arrancadas as páginas que traziam o prefácio porque a editora estava sob intervenção do então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e não queria desagradar aos donos do poder, pois Faerman escrevera que o meu romance não iria “agradar aos vencedores de 1964”. À época, eu escrevia também resenhas de livros para o semanário Opinião, do Rio de Janeiro, que também se alinhava no grupo de publicações contrárias à ditadura.

Lembro-me também de que, muitas vezes, depois do fechamento da edição do jornal, os redatores e repórteres do Estadão íamos para a sede do Sindicato dos Jornalistas, na Rua Rego Freitas, 530, acompanhar os momentos finais das assembleias. Foi numa dessas reuniões que o presidente do Sindicato, Audálio Dantas (1929-2018), assumiu-se como líder do movimento que redundou nos protestos contra o assassinato de Herzog, que, afinal de contas, constituíram um divisor de águas no enfrentamento à ditadura. E que acabariam por mostrar à sociedade civil que aquele sistema baseado em prisões, torturas e assassinatos de opositores não poderia perdurar.

* Página de Adelto Gonçalves no Facebook: https://www.facebook.com/profile.php?id=100010654336595

17/8/2020.

Compartilhar:

Pular para o conteúdo